A partir de uma leitura de sinais políticos, é possível afirmar que o presidente da Câmara, Hugo Motta, está enfrentando sua própria crise. E isso tem relação com uma diferença crucial entre ele e seu antecessor, Arthur Lira.
Após promessa de colaboração com o governo em torno da aprovação de mais uma rodada de aumento de impostos, Motta deu meia volta e anunciou várias medidas para alinhar-se à base conservadora do parlamento.
Motta disse que a Câmara não se comprometeria a aprovar nada do governo em relação ao novo pacote fiscal; voltou atrás na declaração de proceder perda do mandato da deputada Carla Zambelli por ofício e enviará a decisão final sobre a situação ao Plenário; definiu um relator do Centrão para o projeto que proíbe descontos automáticos no INSS a despeito do PT haver pedido a pauta; agendou a votação da urgência do PDL que derruba o decreto do IOF e; retirou a relatoria do orçamento de 2026 do deputado Carlos Zarattini (PT).
Na estratégia de “uma no cravo e outra na ferradura”, Motta busca controlar sua base. Ela já está insatisfeita pelo fato de o governo ainda não ter dado tração para o pagamento de emendas e por ter deixado Fernando Haddad dar a impressão de que a Câmara estava fechada com a nova rodada de impostos.
Na prática, os parlamentares entendem que a Câmara tem sido paciente com o governo enquanto o Planalto segura emendas e Flávio Dino dá sinais de que deseja levantar a questão da constitucionalidade da impositividade das despesas previstas pelos parlamentares.]
Motta fez acenos em profusão para os seus colegas, mas não fechou porta para o Lula. Mesmo que a urgência do PDL seja aprovada, sua votação pode ficar só para agosto, dando mais prazo para que o Planalto faça o seu trabalho, a começar pela execução do orçamento.
Esse morde e assopra que Motta faz emula o estilo de Lira. No entanto, seu padrinho político tinha o cuidado de receber primeiro para entregar depois. Isso mantinha a Câmara domada, que até podia fazer muito barulho contra o governo, mas entregava quase tudo o que lhe era solicitado.
O paraibano parece se deixar envolver facilmente no jogo de sedução de Lula, que o chama para conversas privativas no Planalto e extrai dele declarações de apoio que levantam desconfiança entre seus pares e o coloca passível de ser cobrado por governistas pelas “promessas” de ajuda.
A liderança exercida por Lira até parecia voltada a servir dois senhores – Câmara e Planalto – mas, no frigir dos ovos, o alagoano não tinha dúvida que seu cliente prioritário era o deputado e apenas em nome dele que concessões eram feitas ao governo.
Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela UnB