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A noite em que Lucio e Glauber dividiram um mesmo sofá

Lucio Costa e Glauber Rocha sentados lado a lado, por certo trocando ideias – coisa que não faltava a nenhum dos dois. A foto estalou na tela do computador, vinha de uma página digitalizada de um velho jornal de papel. O urbanista que inventou Brasília e o cineasta que escolheu Brasília para cenário de seus filmes mais importantes. Dois geniais representantes da alma moderna brasileira encontraram-se casualmente na festa de lançamento de Terra Brasilis, disco de Tom Jobim, em 1980.

O arquiteto era quase 30 anos mais velho que o cineasta, mas havia uma forte conexão entre eles: o desejo constante e quase inescapável de querer dar um corpo ao Brasil, fosse pela arquitetura, fosse pelo cinema. Dois temperamentos antagônicos: um carioca nascido na França, de gestos contidos e voz suave, quase monge, e um baiano espalhafatoso, que falava com as mãos, voz gutural, como se estivesse sempre no centro do palco. Observe o olhar intrigado do inventor da arquitetura moderna brasileira para o inventor do Cinema Novo.

A foto foi publicada na coluna de Perla Sigaud, pseudônimo da jornalista Hildegard Angel, em O Globo (03/05/1980). Lucio não era homem de festas, menos ainda de colunas sociais, mas naquela noite tinha um bom motivo para ir do Leblon a Copacabana, era amigo de Tom Jobim que era amigo de suas filhas, Maria Elisa e Helena. E era o autor, com o arquiteto Gregori Warchavchik, do risco original do célebre Clube dos Marimbás, onde o disco foi lançado. (O projeto foi modificado e desenvolvido pelo arquiteto Paulo Antunes Ribeiro).

Naqueles dias, Glauber estava finalizando a montagem de A Idade da Terra. Portanto, no calor da criação, que no termômetro do cineasta era mercurial. O contraste de temperamentos deve ter ficado ainda mais evidente, mas o desejo de reinventar o Brasil a partir de suas raízes mais verdadeiras era comum aos dois. Glauber tinha entendido, como poucos, o sentido simbólico da construção da nova capital do Brasil.

Brasília, ele diria pouco depois, é uma “metáfora que não se realiza na história, mas preenche um sentimento de grandeza, a visão do paraíso …”. E ainda mais: “Brasília foi a revolução cultural do Brasil. Com sua construção, o Brasil pôde se livrar de seu complexo diante do colonialismo. O despertar político e a consciência do subdesenvolvimento datam da construção de Brasília…”.

Exultante com a cidade construída na linha do horizonte, Glauber dizia que Brasília era um “palco fantástico no coração do planalto brasileiro”, que a cidade tinha “forte irradiação, luz do Terceiro Mundo, numa metáfora que não se realiza na história, mas preenche um sentimento de grandeza, a visão do paraíso…”.

Um paraíso como o que surge em A Idade da Terra, fortemente marcado pela realidade crua das desigualdades sociais, do populismo escancarado, e ricamente moldado pela força colossal dos povos que fundaram o país. Se o Brasil estava condenado ao moderno, também estava condenado a construir Brasília como destino quase inevitável naquelas circunstâncias históricas.

Glauber morreu um ano e três meses depois daquele encontro, ainda jovem, aos 41 anos. Lucio Costa viveu muito mais, até os 96. Ficou a foto e tudo o que se pode imaginar a partir dela.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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