A cerca de 40 quilômetros do centro de Brasília, uma pequena comunidade se destaca por ir além da missão de promover o sustento em uma região rural, por meio da produção de alimentos e insumos, e de garantir a manutenção da vida humana em coexistência com o meio ambiente.
Às margens da DF-128, na altura do Km 24, os moradores do Assentamento de Reforma Agrária Pequeno William produzem alimentos e peças de artesanato – de maneira agroecológica e orgânica –, ao mesmo tempo em que levantam a bandeira da conservação da natureza.
O nome da comunidade, localizada em Planaltina (DF), homenageia um menino de 2 anos que, em 2005, contraiu meningite e não resistiu. A criança recebeu água contaminada com agrotóxicos, proveniente de um riacho em uma fazenda próxima, e morreu.
Presente na luta por terras desde antes daquele ano, a líder em educação do campo Adriana Fernandes (foto em destaque), 55 anos, participou da primeira ocupação do grupo, em 2004, em uma fazenda na mesma área.
À época, a concentração de famílias nesse local começou como forma de denunciar o uso excessivo de agrotóxicos proibidos no Brasil.
Ainda naquele ano, os participantes foram despejados, mas acabaram divididos entre dois acampamentos: um em frente à fazenda; o outro, próximo à Pedra Fundamental de Planaltina, em uma área que pertencia ao Instituto Federal de Brasília (IFB).
Mais tarde, esse segundo coletivo se tornaria o Assentamento Pequeno William e receberia, em dezembro de 2011, licença prévia do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), que viabiliza preliminarmente as atividades no acampamento.
A ocupação foi oficialmente estabelecida em 2010, após anos de ação em prol da reforma agrária e sob liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Esse assentamento representa o resultado de uma força coletiva. Se ele existe, é porque muitas pessoas lutaram por isso”, afirma Adriana.
O assentamento é, atualmente, formado por 22 famílias. Cada uma delas tem à disposição cerca de 5 hectares (ha) – área equivalente a de sete campos de futebol – para o manejo agroecológico.
Porém, esses moradores ainda aguardam pelo direito à moradia digna, com a regularização da ocupação — o que também seria um reconhecimento ao trabalho efetuado pelo grupo.
Veja imagens:
Livre de veneno
À época em que o pequeno William morreu por causa dos agrotóxicos, outros assentados adoeceram, mas a situação dele foi mais grave, por acometer uma criança. “A gente bebia água, que supostamente seria saudável, de uma mina próxima à fazenda, em uma área de proteção ambiental”, relembra Adriana.
“E, então, perdemos nosso ‘sem-terrinha’”, lamentou. “Ele era filho único. E essa morte se transformou em uma bandeira de luta, para garantirmos que nossa produção continuasse a ser agroecológica e orgânica.”
Atualmente, os ocupantes do Assentamento Pequeno William plantam e vendem frutas, hortaliças, verduras, legumes e até plantas alimentícias não convencionais (Pancs).


No assentamento, comunidade produz hortaliças, frutas, legumes e outros vegetais de forma orgânica
Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)
Adriana Fernandes, 55 anos
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Adriana integra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desde 1998
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Ela faz parte do Assentamento Pequeno William desde o início das ocupações
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Adriana é especialista em educação do campo
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Ela ainda faz parte do grupo Mulheres de Fibra
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E responsável pela fundação do Comuna Panteras Negras
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A educadora conta sobre a relação que tem com a terra do assentamento
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Toda a colheita no Pequeno William é direcionada à Ceasa-DF e a programas sociais de governo
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Produção do assentamento é livre de agrotóxicos
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Renivaldo Sousa Silva, 28 anos
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Ele trabalha como produtor rural no assentamento
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Atualmente, famílias dividem as produções, mas, no início, colheitas são coletivas
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Entre as 22 famílias, 14 são certificadas e habilitadas para produção regular
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Além de não contaminar solo, produção do Pequeno William é integrada às plantas nativas
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Eldivson Almeida e Ana Lívia Almeida trabalham na plantação
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Nas plantações de Antônio Dias, há alimentos como cebola, couve e brócolis
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A reportagem conheceu de perto as terras de alguns dos assentados, que proporcionam o cultivo de alimentos variados, como cebola, brócolis e couve.
Livre de agrotóxicos, toda a colheita do assentamento é direcionada às Centrais de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa-DF) e a programas sociais dos governos federal e distrital.
Inclusive, das 22 famílias que moram na comunidade rural, 14 estão certificadas e habilitadas para produzir alimentos de forma regular.
Respeito ao meio ambiente
Além de não contaminar o solo, a água e a atmosfera, a produção do Assentamento Pequeno William é integrada a árvores nativas, o que garante a preservação da fauna e da flora local.
Outro cuidado dos assentados envolve o sistema de esgoto sanitário, também elaborado de maneira ecológica, por meio de dois modelos: de fossa séptica e de bacia de evapotranspiração — nenhuma opção capaz de contaminar o lençol freático.
A comunidade ainda planeja estender os cuidados com a natureza no processo de construção das casas da ocupação. No momento, há duas pequenas estruturas erguidas por meio da bioconstrução, técnica de edificação com uso de insumos naturais como terra, adubo ou taipa de mão.
O objetivo é de que tudo usado pelos assentados respeite o meio ambiente. No entanto, apesar do esforços para uma sobrevivência em harmonia com a natureza, Adriana lamenta a falta de recursos para desenvolvimento das atividades, compra de insumos agrícolas e investimentos na produção. “Ainda temos dificuldades porque já chegamos aqui em uma situação de vulnerabilidade”, relembra.
O feminino e o ancestral
Além de alimento, no assentamento são colhidos os materiais usados por mulheres sem-terra para produzir artesanato.
Juntas, elas formam o grupo Mulheres de Fibra, um coletivo que existe desde 2011, quando as famílias ainda não tinham autorização para plantar nos terrenos e precisavam se sustentar de outras formas na ocupação.

Mulheres de Fibra existe desde 2011
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Coletivo surgiu como forma de famílias se manterem quando ainda não tinham autorização para plantar
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Artesãs sem-terra criam biojoias, cestos e acessórios de decoração
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O projeto funciona não só como uma estratégia para as famílias assentadas se manterem financeiramente, mas também fortalece a autonomia feminina das produtoras. Com sementes, frutos e plantas do Cerrado, as artesãs criam biojoias, cestos e acessórios de decoração.
“Até recebermos a licença prévia para poder plantar, esse foi o nosso sustento”, comenta Adriana. “A construção desse assentamento com protagonismo das mulheres nos leva a um lugar diferenciado: o lugar do cuidado e das trocas dos saberes.”
A herança do artesanato ficou e, até hoje, as mulheres são responsáveis pelo sustento da maior parte das 22 famílias presentes no Assentamento Pequeno William. Por meio de reuniões, essas produtoras rurais compartilham experiências e perpetuam técnicas de produção de diversos produtos de origem natural.
“Além disso, tentamos resgatar os conhecimentos entre nós. Saber como cada companheira trabalha com uma planta medicinal, por exemplo. Assim, acessamos também a ancestralidade e entendemos qual conhecimento cada uma pode trazer [à comunidade]”, ressalta Adriana.
Educação sem-terra
O Mulheres de Fibra não é o único meio de troca de saberes no Assentamento Pequeno William. Desenvolvido por Adriana, o Comuna Pantera Negras é outro coletivo voltado à cultura e até à pesquisa. O projeto surgiu em 2013 como forma de acolher educadores e estudantes assentados.
Especializada em educação do campo pela Universidade de Brasília (UnB), Adriana criou, ainda, a Biblioteca Maria Carolina de Jesus, na parcela dela no assentamento.
Nesse local, por meio do Comuna, ela ministra cursos, oficinas e aulas preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e vestibulares.