O empresário Carlos Alberto Kubota teria lucrado, ao menos, R$ 8 milhões de comissão pelo investimento milionário feito pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO) em um suposto esquema de pirâmide financeira. A autarquia amargou um prejuízo de R$ 40 milhões após repassar o patrimônio para a Solstic Capital Investimentos e Participações Ltda e ver o dinheiro desaparecer.
Kubota também possui vínculos com outras empresas, incluindo o Instituto Educacional União Cultural, onde é sócio de Cláudio Miyake, atual presidente do CFO.
Cerca de 45 dias antes do CFO realizar a primeira transferência para a holding, a empresa de Kubota, K Infra, firmou um contrato de intermediação e comissionamento com a Solstic. O contrato para prospecção de clientes foi assinado em 27 de maio de 2021 e era válido por um ano.
O acordo previa a emissão de notas fiscais por Carlos Kubota à Solstic em cima de uma comissão de 50% dos honorários para estruturação do fundo, 60% sobre o resultado do fundo e 20% pela intermediação.
No caso do CFO, o fundo não chegou a ser estruturado, logo, também não houve resultados da aplicação. Dessa forma, Kubota teria faturado, pelo menos, R$ 8 milhões por intermediar o investimento do CFO na Solstic. O pagamento à K Infra seria realizado em até cinco dias úteis, contados da emissão de notas fiscais.
O contrato foi fornecido à reportagem pelo ex-superintendente executivo Rodrigo Gomes Couto e o ex-procurador-geral do CFO, Markceller de Carvalho Bressan. Eles perderam os cargos após apresentarem, por quatro vezes, os detalhes do desfalque à plenária do conselho.
Extratos bancários da holding, obtidos pelo Metrópoles com exclusividade, mostram que o dinheiro do CFO que caiu na conta da Solstic foi transferido para fornecedores não identificados, sem que se soubesse o verdadeiro destino do montante milionário.
“O dinheiro era rapidamente esvaziado da conta da Solstic mediante pagamentos de fornecedores, com emissões de notas fiscais, possivelmente os recursos previstos nesse contrato de comissionamento foram repassados em algumas daquelas transferência. Ter certeza de qual foi a transferência apenas seria possível com quebra de sigilo bancário”, indica Couto.
As setes transferências bancárias realizadas pelo CFO para contas da Solstic Capital ocorreram entre julho e outubro de 2021, sob a premissa de que os valores seriam imediatamente repassados para uma conta da autarquia no Banco BTG Pactual, o que nunca aconteceu.
O dono da Solstic, Flávio Batel morreu em novembro do ano passado, e a empresa em questão foi encerrada sem que o valor investido fosse devolvido à autarquia federal. O golpe financeiro foi denunciado ao Ministério Público Federal (MPF), à Polícia Federal (PF) e ao Tribunal de Contas da União (TCU).
“O contrato é a prova de todas as denúncias que foram realizadas, demonstrando que Carlos Kubota foi o intermediador da operação que gerou prejuízo ao CFO. Chama a atenção, ainda, o fato de o contrato ter sido assinado apenas 45 dias antes da realização da primeira transferência do CFO, sendo provável que esse contrato tenha sido firmado somente para remunerar a operação do conselho”, enfatiza o ex-superintendente.





KEBEC NOGUEIRA/METRÓPOLES @kebecfotografo
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Empresa K Infra
Em 2021, a empresa K Infra, de Kubota, já realizava aportes na Solstic desde março daquele ano, conforme extratos de movimentação obtidos em processos judiciais públicos contra Flávio Batel, o dono da holding.
Kubota também possui vínculos com outras empresas, incluindo a Athena Educação Digital Ltda. e o Instituto Educacional União Cultural, onde é sócio de Cláudio Miyake, atual presidente do CFO. Sendo que esta última empresa possuía, até 2023, contrato ativo com o CFO, em período no qual Miyake exercia o cargo de secretário-geral da autarquia.
No meio da fraude financeira, Kubota montou outra empresa em sociedade com o Batel, a B-Life, supostamente criada para facilitar a remessa dos recursos desviados ao exterior, por meio da empresa estrangeira KHealth LLC. Em meio ao colapso do esquema, a companhia passou a ser comandada apenas por Kubota.
O nome de Kubota aparece, ainda, associado a holdings internacionais, como a Group K2 Holdings LLC e a Group 2GK LLC, registradas em paraísos fiscais.
O empresário já foi condenado pela Justiça, por apropriação indébita, a quatro anos de prisão em regime aberto. Como sócio-administrador de outra empresa, a Freio Bus Equipamentos, não recolheu por quatro anos os valores de INSS descontados de funcionários. Ele teve recursos contra a sentença negados pelo Supremo Tribunal Federal nesse caso.
Comissão
Segundo informações levadas ao TCU, Flávio Batel teria se aproximado de Miyake por intermédio do empresário Carlos Kubota. A Solstic oferecia comissão a empresários que atraíssem novos investidores — o que teria motivado o convite de Kubota a Miyake.
Durante a pandemia de Covid-19, a antiga direção do conselho buscou parcerias que viabilizassem linhas de crédito especiais para profissionais da odontologia em dificuldade financeira. Em 2021, a então diretoria da entidade pública celebrou acordo com a Solstic Capital, que se apresentou como interlocutora do Banco BTG Pactual.
De acordo com dados que constam no portal da transparência da autarquia, dos R$ 101,6 milhões disponíveis em caixa para investir naquele ano, R$ 40 milhões foram aplicados na empresa.
De acordo com denúncias de servidores e testemunhas do caso, os aportes financeiros na Solstic partiram de decisões da diretoria do CFO, então composta por Juliano do Vale (presidente), Evaristo Volpato (tesoureiro) e Cláudio Yukio Miyake (secretário-geral), sem a realização de processo administrativo prévio, deliberadamente contra a legislação que restringe esse tipo de investimento por parte de autarquias.
O documento aponta o atual presidente da entidade, Cláudio Yukio Miyake, secretário-geral da entidade na época das supostas irregularidades, como “operador financeiro da estrutura empresarial que recebeu os aportes, tendo sido possivelmente o principal articulador para que o CFO investisse recursos públicos na pirâmide financeira da Solstic”.
Vale ressaltar que, no Brasil, conselhos de classe estão restritos a investimentos em títulos públicos ou aplicações de baixo risco, conforme normas do Tribunal de Contas da União, o que impediria o CFO de ter repassado esse valor à empresa privada.
Apesar de ser demonstrado no balancete do CFO do ano de 2022 como banco vinculado à aplicações financeiras, a Solstic Capital não era um fundo de investimento supervisionado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) — órgão responsável por regulamentar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários no Brasil.
Empresa não habilitada
Relatórios de uma auditoria externa confirmaram que a Solstic Capital não era habilitada pelo Banco Central ou pela CVM para custódia de depósitos ou para oferecer remuneração, e que o contrato firmado com a empresa estava à margem das normas do mercado financeiro.
Ao todo, a operação irregular da Solstic movimentou cerca de R$ 100 milhões entre 2021 e 2022.
Apesar de diversas notificações extrajudiciais e tentativas de recuperação entre 2022 e 2023, apenas uma parte dos valores foi devolvida pela empresa, cerca de R$ 8,6 milhões, aponta a denúncia. Em 28 de fevereiro de 2023, a Solstic Capital reconheceu formalmente uma dívida de R$ 37.184.518,00 com o CFO em termo de responsabilidade.
A reportagem também teve acesso a uma nota interna, enviada aos conselheiros regionais de odontologia, na qual o CFO reconheceu as aplicações na Solstic e responsabilizou a gestão de 2021 pela operação, excluindo o Cláudio Miyake — atual presidente da autarquia que à época dos fatos era secretário-geral.
“A diretoria atual do CFO manifesta profunda indignação ao constatar que a entidade foi vítima de um elaborado golpe financeiro. Os extratos mensais emitidos pela própria Solstic, sem correspondência em instituições financeiras oficiais, constituem fortes indícios de estelionato financeiro”, alegou a autarquia em nota divulgada em 28 de abril deste ano.
Diante da gravidade da situação, a atual gestão do CFO disse que adotou medidas como auditorias internas, análise de documentos e extratos bancários, ação judicial no TRF1, notícia-crime ao MPF, pedido de bloqueio de bens, reforço dos controles financeiros e centralização das aplicações em instituições oficiais com garantia do governo.
Entre os pedidos da denúncia encaminhada ao MPF, à PF e ao TCU estão o afastamento imediato de Cláudio Miyake, de membros da diretoria e da Comissão de Tomada de Contas, e o rastreio de movimentações bancárias de empresas ligadas ao esquema, incluindo conta da Solstic no BTG Pactual.
Além do afastamento da diretoria do CFO, a denúncia também pede a instauração de inquérito para apuração dos crimes de peculato, estelionato, advocacia administrativa, tráfico de influência, formação de organização criminosa, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, prevaricação e desobediência a ordem judicial.
O que diz o CFO
Procurado pela reportagem, o CFO disse que todas as decisões administrativas e financeiras relacionadas a este
investimento foram formalmente tomadas e executadas pelo então Presidente e Tesoureiro do CFO à época dos fatos, responsáveis diretos pela gestão financeira da autarquia conforme suas atribuições legais e regimentais.
“É importante ressaltar que, apesar da gravidade da situação, a solidez financeira e administrativa do CFO permitiu que nenhum serviço prestado à classe odontológica fosse prejudicado. Todos os programas e ações finalísticas do Conselho, como fiscalização, ética e aprimoramento profissional, permanecem em pleno funcionamento”, informou.
“O CFO reafirma seu compromisso com a transparência, a responsabilidade fiscal e a boa gestão dos recursos públicos. A instituição continuará envidando todos os esforços necessários para recuperar os valores investidos e responsabilizar todos os envolvidos nas irregularidades apuradas. A instituição se mantém à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos adicionais e se compromete a manter a classe odontológica e a sociedade devidamente informadas sobre os desdobramentos deste caso”, pontuou a autarquia.
O que diz Carlos Kubota
A reportagem tentou contato com Carlos Kubota, por meio da empresa K Infra. O espaço segue aberto para futuras manifestações.