Quando saíram de casa rumo a Brasília, na última terça-feira (20/5), os empresários de Manaus (AM) César de Jesus Glória Albuquerque, Erick Pinto Saraiva e Vagner Santos Moitinho não imaginavam que a mala de dinheiro que carregavam daria início a uma investigação minuciosa da Polícia Federal (PF). A apuração revelou indícios de um suposto esquema envolvendo endereços de fachada, saques de auxílios emergenciais e possível corrupção política.
Convencidos de que retornariam para casa sem levantar suspeitas, o trio desembarcou do voo 3747 da Latam, com passagens de volta compradas para a mesma noite. Durante fiscalização de rotina, agentes da PF notaram cédulas escondidas em uma das malas e constataram que os empresários transportavam R$ 1,25 milhão em espécie.
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À polícia, os suspeitos afirmaram atuar como empresários no Amazonas, utilizando suas empresas para firmar contratos públicos com diversos municípios. Disseram ainda que estavam a caminho de Goiás para adquirir insumos e quitar dívidas. Durante os questionamentos, contudo, entraram em contradição, sem conseguir especificar os locais de compra ou os destinatários dos pagamentos.
Diante dos fatos, os três foram presos em flagrante por lavagem de dinheiro. A Polícia Federal então deu início a uma investigação aprofundada para rastrear a origem dos valores.
Ligação política
Inicialmente, além da suspeita de lavagem de dinheiro, os investigadores também levantaram a hipótese de que o grupo estivesse em Brasília para efetuar pagamentos de vantagens indevidas a agentes públicos. A suspeita ganhou força porque, nesta semana, a capital federal sedia a tradicional Marcha em Favor dos Municípios, evento que reúne autoridades de diversas cidades, incluindo representantes do Amazonas.
A coluna apurou que, logo no início das investigações, a polícia constatou que os três empresários mantêm ligações diretas — inclusive familiares — com políticos recém-eleitos no estado do Amazonas.
Entre as conexões descobertas, destaca-se o vínculo familiar e financeiro com o vereador Lucas Souza Moitinho (União Brasil), eleito em 2024 no município de Presidente Figueiredo. Vagner Santos Moitinho, um dos empresários interceptados, é pai do parlamentar.
Contribuições em campanhas eleitorais
De acordo com registros oficiais de prestação de contas eleitoral, aos quais a coluna teve acesso, Vagner Santos Moitinho doou R$ 1 mil para a campanha do filho, Lucas Souza Moitinho, nas eleições municipais de 2024.
A relação, contudo, não se restringe a Vagner. Os outros dois empresários, César Albuquerque e Erick Saraiva, também participaram de campanhas eleitorais no mesmo ano.
No caso de Erick Saraiva, sócio da Saraiva Comércio de Confecção, consta o recebimento de R$ 93,5 mil da campanha do atual prefeito de Itacoatiara, Mário Abrahim (Republicanos). Segundo os documentos, o valor corresponde a serviços de publicidade por meio de materiais impressos.
Já César Albuquerque, proprietário da CJ Comércios e Serviços, recebeu R$ 2,4 mil da campanha do vereador Lucas Souza Moitinho, filho de Vagner. O valor se refere à cessão ou locação de veículos — César teria alugado uma Hilux para a campanha.
No mês passado, a Prefeitura de Coari anunciou que desembolsará mais R$ 3,3 milhões na compra de diversos itens de vestuário, incluindo tênis, botas, bonés e chapéus. Segundo a prefeitura, os produtos serão destinados à Secretaria Municipal de Saúde. As empresas responsáveis pelas vendas são justamente a CJ Comércios e Serviços, de César Albuquerque, e a Saraiva Comércio de Confecção, de Erick Saraiva.




Arte/Metrópoles
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Auxílio emergencial
Não bastasse a suspeita de envolvimento em um esquema de lavagem de dinheiro e as ligações com políticos locais, a investigação revelou que os empresários também receberam Auxílio Emergencial durante a pandemia — benefício destinado a trabalhadores informais, desempregados e pessoas em situação de vulnerabilidade.
Apesar de informações constantes nos autos indicarem renda mensal significativa, César Albuquerque declarou faturamento médio de R$ 20 mil, mas ainda assim recebeu R$ 4,9 mil do Auxílio Emergencial entre maio de 2020 e outubro de 2021.
Erick Pinto Saraiva sacou R$ 5,2 mil no mesmo período, embora tenha devolvido R$ 3 mil aos cofres públicos. Vagner Santos Moitinho também consta como beneficiário, mas o valor exato que recebeu não foi divulgado.
Empresa “faz-tudo”
Apenas 24 horas após o início das investigações, novas inconsistências envolvendo os empresários não param de surgir. A empresa de César Albuquerque, por exemplo, oferece serviços que vão desde a comercialização de alimentos até atividades funerárias.
No Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a CJ Comércios e Serviços possui mais de 40 atividades registradas na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). A principal é o comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios.
Durante as diligências após a prisão do trio, a quantidade de CNAEs secundários chamou a atenção dos investigadores. A empresa lista como ramos de atuação: alimentos, vestuário, manutenção de máquinas, construção, papelaria, veterinária, arquitetura, agência de viagens e até o setor funerário.
O volume financeiro movimentado também impressiona: R$ 2,5 milhões. Outro ponto que despertou interesse dos investigadores foi a quantidade de veículos vinculados à empresa — três micro-ônibus, uma caminhonete e uma retroescavadeira. Apesar da estrutura, conforme apurado pela Polícia Federal, a empresa não possui funcionários registrados. César declarou ainda que a empresa possui cinco micro-ônibus, usados para transporte escolar.
Em julho de 2021, a empresa foi contratada pela Prefeitura de Presidente Figueiredo, município da Região Metropolitana de Manaus, para realizar a manutenção de botes aquáticos. Segundo documento publicado no Diário da Associação Amazonense dos Municípios (AAM), o contrato previa o pagamento de R$ 130 mil pelos serviços, executados ao longo de seis meses.
A contratação foi viabilizada pela inclusão, na lista de CNAEs da empresa, do código referente à manutenção e reparação de embarcações e estruturas flutuantes. Em seu interrogatório, César informou à polícia o suposto endereço da empresa. No local indicado, às margens da BR-174, há apenas uma parada de ônibus.
Imagens do Google Maps, atualizadas pela última vez em agosto de 2024, mostram que, na comunidade Nova Jerusalém, na altura do km 179, não há qualquer estrutura relacionada à empresa. Diante disso, a Polícia Federal declarou não ter localizado evidências da existência física da CJ Comércio de Produtos Alimentícios em nenhum dos lados da rodovia.
Até o fechamento desta reportagem, a defesa dos acusados não havia se manifestado.