Considerados arriscados e complexos, os Fundos de Investimento em Participações (FIPs) sempre foram restritos a investidores profissionais ou qualificados. A estrutura sofisticada e a necessidade de aportes ao longo do período de alocação são alguns dos fatores que justificaram a exclusividade. Agora, porém, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) está prestes a permitir que investidores de varejo acessem o produto.
Embora classifiquem a mudança como positiva, agentes do mercado estão preocupados com alguns pontos que podem desestimular a criação de produtos para o público geral. “Há algumas amarras que, à primeira vista, parecem fazer sentido, mas, na prática, são muito restritivas”, disse uma fonte próxima do assunto ao InfoMoney.
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De 23 de dezembro de 2024 a 28 de março deste ano, a CVM promoveu uma consulta pública sobre o tema, permitindo que as partes interessadas se manifestassem sobre as novas regras propostas pela autarquia. Agora, o mercado espera a publicação da norma que substituirá o Anexo Normativo IV da Resolução CVM 175, o que deve acontecer neste segundo semestre, segundo a fonte a par do assunto.
Chamada de capital e listagem em Bolsa
Um dos pontos de preocupação das gestoras está na chamada de capital. Nos FIPs, os investidores que entram na estrutura se comprometem a aportar determinado valor ao longo da fase de investimento. O montante é pago em parcelas nas chamadas de capital, que acontecem quando o gestor identifica uma oportunidade de investimento e precisa de caixa para aproveitar.
A CVM propõe a proibição das chamadas de capital nos produtos destinados ao público geral, o que pode atrapalhar a originação de produtos para o varejo, segundo Ricardo Vieira, sócio do Barcellos Tucunduva Advogados. Ele diz que “a intenção é boa” ao tentar proteger os fundos do risco de crédito, já que o investidor pode não ter o dinheiro que se comprometeu a alocar no momento da chamada de capital e o risco é maior no varejo. Porém, a proibição “desconsidera estruturas que abordam esse risco de forma eficaz”.
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Em sua contribuição na audiência pública, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) diz que “a vedação dos mecanismos de chamada de capital nos FIPs destinados ao varejo pode engessar estruturas específicas e até mesmo inviabilizar certas estratégias, dada a descaracterização de sua natureza”.
Uma das soluções para possibilitar o aporte total do capital do investidor de varejo sem comprometer o modo de funcionamento do fundo é criar uma estrutura separada. Os investidores colocam o dinheiro em um veículo paralelo, e o gestor do FIP movimenta o valor conforme a necessidade do fundo.
A avaliação da fonte ouvida pelo InfoMoney é de que a proibição das chamadas de capital pode ser uma “amarra” para os FIPs, e que veículos paralelos não seriam novidade, já que são uma solução que a indústria já usa.
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Outro fator de apreensão com a nova legislação está na obrigatoriedade da listagem em Bolsa em produtos desenhados para o varejo. Um dos problemas da regra está na característica das operações dos FIPs, estruturados para investimentos de longo prazo em empresas promissoras. Além disto, seria difícil precificar as cotas, já que o retorno pode ser negativo no início.
Caren Benevento, sócia da Benevento Advocacia, ainda lembra que o processo de listagem “demanda investimento relevante, o que pode afastar gestoras menores ou fundos com estrutura enxuta”.
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A listagem na Bolsa ainda pode trazer uma falsa sensação de liquidez ao investidor, lembra a advogada, considerando que esses fundos são instrumentos de longo prazo.
Novas regras vão “pegar”?
Se há leis que “pegam” ou não no Brasil, é possível fazer um paralelo com as mudanças no mercado financeiro. Um exemplo de classe que abriu as portas para o varejo recentemente está nos FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios).
Apesar das novas regras permitindo a criação de produtos para o público geral, o grupo ainda não ganhou relevância como investidor nesse instrumento. Entraves regulatórios são frequentemente citados por gestores para justificar a ainda baixa parcela de fundos abertos para o varejo.
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“Prevemos dificuldades no início, mas se fizermos um bom trabalho divulgando informações sobre o produto, podemos acelerar a adesão dos clientes”, diz o especialista no assunto. Ele se mostra confiante no acolhimento das sugestões, reunidas na manifestação enviada pela Anbima: “O mercado está muito animado, acha que tem muitas oportunidades para colher com esse novo bolso que se abre”.