A Polícia Militar solicitou um mandado de busca e apreensão, deferido em maio pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), no qual o endereço do alvo investigado por tráfico de drogas correspondia a uma escola de ensino infantil na zona leste da capital paulista — onde não ocorria nenhum tipo de atividade criminosa. O verdadeiro imóvel, cujo endereço não constou no pedido enviado ao Judiciário, ficava alguns números adiante, na mesma rua.
A investigação sobre o ponto de venda de drogas na região, embora seja uma atribuição da Polícia Civil, foi feita nesse caso pela PM, em mais um caso em que juristas, delegados e sindicatos apontam desvio de função.
No caso específico dessa investigação, os militares apresentaram provas fotográficas e de levantamentos de campo produzidos por eles para o pedido do mandado, feito em nome do coronel Mário Kitsuwa, do Comando de Policiamento de Área Metropolitana 9 (CPA/M-9).
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Viaturas da PM e do GATE no sequestro em SP
Reprodução/ TV Bandeirantes2 de 14
Pedido de busca e apreensão foi formalizado por comandante de Bauru
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PM de Bauru investigou crime, sem comunicar Polícia Civil
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PMs da Força Tática de SP
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Sargento da PM matou esposa e atirou na filha após invadir clínica
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Policial militar de SP com braçadeira da Rota
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Policial militar de SP próximo a viatura
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PMs de São Paulo
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Viaturas da PM de São Paulo
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PMSP/Reprodução
Os trabalhos de investigação e diligências começaram em 21 de maio, após o CPA/M-9 receber uma denúncia pelo 190 informando sobre o tráfico e uso de drogas em uma viela no bairro Cidade Tiradentes. O mesmo local teria sido indicado em ao menos mais duas ligações anônimas, via Disque Denúncia, como um ponto de distribuição e preparo de substâncias ilegais.
Em vez de repassar a denúncia à Polícia Civil, os policiais militares iniciaram um levantamento por conta própria, que resultou em um relatório. No documento, apresentado primeiramente ao Ministério Público de São Paulo (MPSP), havia fotos ilustrando a dinâmica do tráfico de drogas no imóvel.
Com base na apuração militar, o MPSP se manifestou favorável à expedição do mandado e foi seguido pelo juiz Luigi Monteiro Sestari. O magistrado aceitou a investigação da PM e, a partir dela, expediu o mandado em 26 de maio.
Pedido de relatório à Polícia Civil
No documento, no entanto, o juiz acrescenta que “o delegado de polícia” deveria encaminhar relatório sobre as diligências e auto de apreensão em até cinco dias, após o cumprimento da busca e apreensão.
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A solicitação não pôde ser atendida pela Polícia Civil, pois o cumprimento foi feito pelos próprios policiais militares do CPA/M-9, em 30 de maio. Na ocasião, durante as buscas ao endereço correto — e não à escola infantil, que fica alguns metros adiante —um homem de 29 anos foi preso e indiciado por tráfico de drogas.
A ocorrência foi apresentada no 49º DP (São Mateus), onde os PMs afirmaram em depoimento que a prisão e as apreensões decorreram do cumprimento do mandado de busca e apreensão. Foi somente nesse momento que o caso chegou ao conhecimento da Polícia Civil, que solicitou em seguida a prisão preventiva do homem detido pelos militares.
Em nota ao Metrópoles, a SSP informou que o cumprimento do mandado em Cidade Tiradentes “ocorreu com o parecer favorável do Ministério Público”.
“A ação resultou na apreensão de 4 quilos de entorpecentes em um depósito. Também foram apreendidos dinheiro e caderno com anotações do tráfico. Todo o material foi encaminhado para a perícia”, acrescentou a pasta, que não se manifestou sobre o erro no pedido de mandado que indicava o endereço de uma escola infantil.
PM de Bauru
A investigação feita pela PM na zona leste não é um caso isolado na corporação. Como mostrado pelo Metrópoles, o mesmo ocorreu em Bauru, quando PMs investigaram por conta própria uma quadrilha especializada em assaltar postos de combustíveis.
A apuração paralela resultou na prisão de um homem inocente pelos roubos, que foi liberado após a Polícia Civil se inteirar do caso. Delegados solicitaram a anulação da investigação dos militares.
Projeto-piloto no centro
Mais recentemente, em outro caso revelado pelo Metrópoles, a Secretaria da Segurança Pública (SSP), chefiada por Guilherme Derrite (PP), confirmou a adoção de um projeto-piloto na região central de São Paulo por PMs do CPA/M-1.
A iniciativa, deflagrada na última quarta-feira (4/6), permite entre outras coisas, que os PMs prendam procurados da Justiça sem submetê-los a audiência de custódia e sem levá-los à Polícia Civil para a formalização da captura.
O projeto vai funcionar em caráter de teste por 15 dias e, segundo a SSP, tem como objetivo “combater a reincidência criminal”, tendo a participação de “todas as forças policiais do Estado”: polícias Civil, Militar, Técnico-Científica e Penal.
A pasta informou ao Metrópoles que, “em até 24 horas, o preso passará por audiência de custódia, garantindo o pleno cumprimento da legislação”. Segundo a SSP, o transporte do preso até o fórum, onde ocorre a audiência, será feito agora pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) — que não se manifestou publicamente sobre o projeto.
Na sexta-feira (6/6), o MPSP solicitou informações à Secretaria da Segurança Pública sobre o projeto-piloto. O órgão foi provocado por um ofício do deputado estadual Emídio de Souza (PT).
Entidades fazem críticas
A iniciativa em andamento no centro de São Paulo tem sido alvo de críticas, em especial por parte de representantes da Polícia Civil. “Não é a primeira vez que a gente vê acontecer, na história recente da SSP, a tentativa de encaminhar atribuições que são da Polícia Civil para a Polícia Militar”, afirmou à reportagem Jacqueline Valadares da Silva Alckmin, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo (Sindpesp),
Ela destacou a importância de se ter ciência da complexidade da composição estrutural das forças de segurança pública que, segundo a delegada, não pode ser encarada de uma forma “simplista”. “É preciso que as polícias Civil, Militar e Penal trabalhem em sintonia, equilíbrio e sinergia. Cada uma exercendo o seu papel e sua atribuição.”
Já o presidente da Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo (Adpesp), André Pereira, acredita que o projeto de Derrite sempre foi que a PM realizasse atividades de inteligência e, em decorrência delas, solicitasse mandados de busca.
“Isso não prosperou. Então, se não consegue fazer pela via correta, pela via legal, aí vem e assume a cadeira aqui [na SSP] e tenta fazer, por meio de articulação, inclusive com membros do MPSP e do Poder Judiciário. Então, desculpa, mas está errado”, disse.
O delegado André Pereira diz estar testemunhando um ” balão de ensaio” da PM, em que a corporação realiza “o ciclo completo” com relação a um processo criminal: desde a investigação até a prisão e formalização do caso junto ao Poder Judiciário.
“Estamos falando do Poder Judiciário e do MPSP. Então não podem alegar que foram induzidos ao erro [ao expedir mandados para a PM], num procedimento previamente ilegal, por conta da falta de legitimidade e competência, para pedir esse mandado, e ainda mais decidir favoravelmente. Isso, em minha visão, é decidir de forma leviana em um caso que não tem urgência”, afirmou o presidente da associação.
Pereira se refere a um expediente utilizado pela PM que permite que a corporação solicite os mandados sem comunicá-los à Polícia Civil: isso ocorre nos casos de urgência, com risco de que um suposto estado flagrancial deixe de existir, demandando uma intervenção imediata. Segundo o delegado, esse não foi o caso em que a Justiça concedeu o mandado solicitado pelo CPA/M-9 em Cidade Tiradentes.