São Paulo — Uma adolescente de 15 anos, estudante bolsista do 9º ano no Colégio Presbiteriano Mackenzie, no centro de São Paulo, está internada em um hospital público após ser vítima de racismo e homofobia por colegas da mesma instituição.
A filha da empresária Fernanda Mariano foi encontrada na última terça-feira (29/4) desacordada no banheiro do colégio com um fio amarrado no pescoço e um saco plástico na cabeça, em um ato contra a própria vida. Após ser socorrida, a menina foi levada à Santa Casa de São Paulo, onde permanece internada.
De acordo com a advogada que defende a família, Réa Sylvia, a adolescente sofre ataques racistas e homofóbicos desde quando entrou no colégio com bolsa integral filantrópica, no ano passado.
Estudantes a chamavam de “cigarro queimado”, “lésbica preta”, “cabelo nojento”, entre outros termos racistas.
Em um episódio recente, com o intuito de ser aceita em um grupo, duas colegas obrigaram a menina a beijar um garoto no banheiro da escola enquanto a cena era gravada. Depois, ameaçaram divulgar o vídeo nas redes sociais.
Réa Sylvia afirma que todo o caso era de conhecimento da escola. Além disso, que a mãe escreveu mais de uma vez e-mails ao colégio denunciando que a filha estava sofrendo racismo e bullying, e que a instituição não tomou nenhuma providência a partir disso.
“Desde que aconteceu ela foi internada, na terça-feira, o Mackenzie não prestou nenhum tipo de assistência. As coisas começaram a acontecer depois que a gente assumiu juridicamente o caso. Tanto que só hoje [6/5] a escola está lá no hospital”, disse a advogada ao Metrópoles.
A intenção da defesa é judicializar o caso, pedindo para que o Colégio Mackenzie custeie um hospital particular para a adolescente.
Isso porque o hospital deseja transferir a garota para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), o que não é o desejo da família, nem da defesa. “Agora mesmo ela está numa ala de adultos, um quarto coletivo, e já presenciou o óbito de uma senhora. Levando ela para o CAPS, ela vai estar exposta a muito mais danos psicológicos”, alega a advogada.
“O que a Gabriela precisa agora é de assistência médica. A mãe é autônoma, não tem condições de custear um psiquiatra”, diz Réa Sylvia. “Se o bullying, o racismo e tudo o que desencadeou a tentativa de suicídio foram devido à escola, nada mais justo que os danos também sejam reparados assim.”
O que diz o Colégio Mackenzie
Em nota ao Metrópoles, o colégio disse que foi “surpreendido” com uma aluna do 9º ano que foi encontrada precisando de auxílio no banheiro do Mackenzie, e que não é possível afirmar quais foram as causas do evento.
“O primeiro atendimento foi realizado pelo bombeiro civil, juntamente com a médica pediatra do colégio. A aluna foi encaminhada à Santa Casa pela ambulância do próprio colégio, acompanhada pela coordenação pedagógica e pela pediatra”, diz a escola.
“O contato e o apoio à família têm sido contínuos”, alega o Mackenzie, na contramão do que aponta a advogada da família da estudante.
“A orientação educacional e a psicóloga escolar, que já acompanhavam a aluna e sua família, seguem prestando suporte. A direção e a coordenação acolheram a mãe presencialmente minutos após o ocorrido, nos dias seguintes e continuam acompanhando a situação de perto”, segue a nota.
Sobre não ter se pronunciado sobre o caso nos últimos dias, o colégio afirma que optou por não alimentar especulações. “Nos últimos dias, algumas ilações sobre o episódio têm sido divulgadas, muitas delas desprovidas de fundamento. Em respeito à aluna e à sua família, optamos por não alimentar especulações”, alega. “Todo o acompanhamento está sendo conduzido com responsabilidade, cuidado e discrição, diretamente entre as partes envolvidas.”
“Não é possível afirmar quais foram as causas do evento. Trata-se de uma adolescente que goza de todo o respeito, dignidade e consideração por parte do Colégio, assim como todos os nossos alunos.”
Por fim, o Mackenzie alega que o caso é investigado. “Internamente, estamos apurando todas as informações que possam elucidar a ocorrência. A aluna será ouvida assim que estiver em condições de se pronunciar no ambiente pedagógico.”
A advogada afirma que o caso foi registrado na Polícia Civil por meio de um boletim de ocorrência. O Metrópoles procurou a Secretaria da Segurança Pública (SSP), mas não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Ação afirmativa
O que aconteceu com a adolescente de 15 anos foi divulgado pelo escritor e ativista Adalberto Neto nas redes sociais na última sexta-feira (2/5). Após denunciar o caso, o influencer fez uma reflexão sobre o intuito de bolsas filantrópicas como ação afirmativa, que pode incluir benefícios fiscais como isenções e redução de impostos para instituições que atendem a grupos específicos, como negros, pardos e indígenas.
“O intuito de uma bolsa filantrópica oferecida por uma instituição de ensino deveria ser o de transformar a vida da pessoa a qual ela se destinou”, disse Adalberto no vídeo publicado no Instagram. “Mas a bolsa que a filha da Fernanda Mariano recebeu parece que só faz bem à instituição para abater imposto.”
Após o vídeo, a ativista, escritora e professora Bárbara Carine também fez um conteúdo para chamar a atenção sobre o caso. “Fazer ação afirmativa não pode ser com a única finalidade de arrecadar fundos filantrópicos pra escola, ter isenção de impostos. Tem que ser pela consciência histórica e social de reparação dessas maiorias que foram minorizadas ao longo dos processos históricos”, disse.
“É preciso pensar não apenas no ingresso desses jovens, mas na permanência deles, tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto de vista psicológico. É preciso dar suporte para essas crianças permanecerem nas escolas como bolsistas”, afirmou.