O governo federal publicou nesta terça-feira (20), no Diário Oficial da União (DOU), o decreto com a nova política de educação a distância (EaD) no ensino superior elaborada pelo Ministério da Educação (MEC).
Entre as principais mudanças, o texto proíbe que o modelo 100% online seja aplicado nos cursos de licenciatura ou da área da saúde e Direito, valendo apenas o sistema presencial ou semipresencial, o que tem gerado questionamentos entre especialistas do setor. Alguns acreditam que as mudanças resultarão em exclusão e oportunidades limitadas aos estudantes.
A Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED) participou intensamente do processo de revisão do marco regulatório da EaD, em várias visitas à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres).
Mesmo ciente a respeito das linhas gerais do decreto antes da oficialização, o presidente da ABED, João Mattar, diz que por ora é difícil traçar uma projeção sobre as consequências no setor. “O próprio governo não apresentou estudos sobre o impacto das medidas. Tanto que a ABED lançou um Edital de Pesquisa justamente para incentivar, em um primeiro momento, estudos preditivos sobre os efeitos”, conta.
Sobre possíveis melhorias no ensino superior do Brasil, Mattar diz que a criação de regras mais rígidas pode contribuir positivamente para sua qualidade. “Mas, certamente, também causarão exclusão. Muitos alunos que antes conseguiam estudar a distância não terão mais condições de investir nos estudos por questões de tempo, de deslocamento aos polos, financeiras etc.”, observa Mattar, que atua como professor, pesquisador e orientador no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da PUC-SP.
Falta de incentivo ao uso da tecnologia
Francisco Borges, mestre em Educação e consultor de gestão e políticas públicas voltadas ao ensino da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT), ressalta que a educação precisa ser aspiracional e motivadora e que se preocupar com a qualidade e a banalização da formação é papel fundamental do MEC. Ele é enfático: “Esse decreto é ruim, pois irá limitar o acesso a uma parcela considerável da população, aumentando o preço e diminuindo a capilaridade entre, por exemplo, os estudantes de áreas remotas que enfrentam restrições logísticas. Hoje, em qualquer cidade com mais de 10 mil habitantes existe oferta de EaD, e ela chega inclusive nas aldeias indígenas e nas comunidades quilombolas, onde o presencial não chega. Cabe destacar que a maioria dos estudantes no ensino superior é formada por adultos trabalhadores”, avalia.
Borges destaca que o novo decreto também determina o limite de 70 alunos por turma em aulas ao vivo por vídeo, o que, na visão do consultor, não se justifica devido aos avanços que as próprias plataformas digitais proporcionaram nos últimos anos. “Qual a diferença entre uma aula online com 70 pessoas ou com 100 ou 120, se o chat é mediado por Inteligência Artificial, com respostas imediatas e filtradas? Se, em caso de dúvidas, os alunos podem acessar apostilas e outros conteúdos digitalizados, sem precisar sair do computador? O MEC, a meu ver, não incentiva o bom uso da tecnologia a favor da educação”, completa.
E finaliza: “O decreto em si não traz segurança das medidas qualitativas, mas encerra em sua estrutura medidas limitadoras quanto à abrangência geográfica, de liberdade de tempo, social e financeira”, afirma.