A renda fixa brasileira passará por uma mudança estrutural se o governo seguir com o plano de publicação de uma Medida Provisória (MP) que acaba com a isenção de LCIs, LCAs, CRIs, CRAs e debêntures incentivadas – e se, posteriormente, a MP for aprovada pelo Congresso. Especialistas dizem que os incentivados seguem atrativos, mas com ressalvas.
Como alternativa à alta do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), o governo quer instituir alíquota de 5% de Imposto de Renda sobre os papéis que hoje são isentos do tributo.
Para Marcelo Michaluá, Co-CEO da RB Asset, os 5% não deveriam causar preocupação, mas o receio está no que pode vir após o início da tributação. “Se você já tem 5%, quem diz que, no futuro, o governo não pode aumentar para 7%, 10%, até eventualmente bater os 15%, que é alíquota atual de longo prazo para não incentivados?”, questiona.

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Mesmo com a alíquota de 5%, os títulos incentivados seguem atrativos, segundo Michaluá. Um movimento de migração para outras aplicações só deve acontecer se o Imposto de Renda sobre esses papéis aumentar, segundo o especialista.
Érico Pilatti, sócio do Cepeda Advogados, escritório que assessora empresas do mercado financeiro, argumenta que as mudanças e a forma como foram comunicadas trazem insegurança jurídica, o que pode afetar todo o mercado, já que “segurança jurídica é sinônimo de atração de capital”.
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A proposta ainda inclui o fim da tabela regressiva de IR, que varia de 22,5% a 15% conforme o tempo de aplicação nos ativos não incentivados. Em vez disso, o governo propõe cobrança única de 17,5%, o que teria impacto fiscal neutro, diz a Warren Investimentos, citando “conversas com a área técnica do governo”.
Especialistas ouvidos pelo InfoMoney avaliam que a atratividade dos incentivados é reduzida, mas não extinta. O principal argumento para sustentar a afirmação está na diferença ainda relevante na comparação com os 17,5% cobrados de IR em não incentivados.
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Volume menor de emissões
O volume total de Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) superou R$ 1 trilhão ao fim de maio, de acordo com dados da Anbima. Do montante, R$ 573 bilhões estão concentrados em LCAs e R$ 463 bilhões em LCIs. Na comparação com o mesmo período de 2023, o estoque de LCIs cresceu 11,75%, enquanto o de LCAs avançou 12,71%.
Para Guilherme Almeida, head de renda fixa da Suno Research, o forte crescimento foi resultado direto da isenção de imposto de renda oferecida por esses papéis. “Essa característica tem sido um dos principais atrativos para o investidor pessoa física”, diz o especialista. A nova tributação, porém, pode afetar esse estoque.
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CRIs e CRAs, por outro lado, já enfrentam redução no ritmo de captações, com quedas de 32,5% e 28,5% respectivamente no primeiro quadrimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. A desaceleração é reflexo das restrições de lastro impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em fevereiro de 2024. O Conselho ainda ampliou as restrições a empresas de capital fechado em maio deste ano.
As debêntures incentivadas, que vêm capturando crescimento relevante – de 64% no volume captado nos primeiros quatro meses de 2025 –, também devem ser afetadas no longo prazo.
“A tendência é que esse ruído reduza a atratividade dos produtos, especialmente em um primeiro momento. O impacto deve ser negativo, já que o investidor encontrará taxas menos competitivas”, argumenta. “Ainda será preciso observar quais serão as condições ofertadas pelos emissores após a implementação da nova alíquota”, completa Almeida.
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Ao comentar o impacto nas LCIs e LCAs, Pilatti, do Cepeda Advogados, diz que a tendência de longo prazo é desaceleração das emissões, mas há um impacto contrário no curto prazo: “talvez tenhamos janelas de aceleração dessas operações”. Isto porque as instituições financeiras podem aproveitar a isenção até o fim de 2025 para adiantar emissões que ainda contem com alíquota de IR zerada.
Pilatti ainda comenta que há “duas forças concorrendo” nas emissões de LCIs e LCAs. Se por um lado a tributação pode fazer o volume de emissões diminuir, por outro, as recentes mudanças regulatórias nos ativos atuam no sentido contrário e incentivam o lançamento de operações. Em julho, financeiras poderão emitir LCIs, o que, somado a mais uma diminuição no prazo mínimo de vencimento das letras, impulsionaria o mercado, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
Para o investidor, o volume menor de emissões significa menor diversidade de emissores e taxas. A competitividade também pode ser afetada, abrindo espaço para impactos nos prêmios que os papéis oferecem: em geral, se a concorrência pelo bolso do investidor é menor, as instituições podem pagar menos.
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Quando o imposto passa a valer?
O orçamento do governo segue o princípio da anualidade, que estabelece a previsão de receitas e despesas dentro de um ano civil. Como a taxação se dará via Imposto de Renda – que traz receita ao governo federal –, a mudança deve obedecer esse princípio.
Portanto, mesmo se o Congresso Nacional aprovar rapidamente a Medida Provisória proposta pelo governo, o imposto começa a valer somente em 2026. O mercado também não espera taxação sobre o estoque dos títulos, o que significa que quem comprou títulos isentos terá a remuneração sem IR até o vencimento.
Taxas maiores, remuneração igual
Um dos impactos mais comentado pelos agentes do mercado está nas taxas dos papéis. Hoje, é comum ver títulos incentivados pagando de 80% a 95% do CDI, já que não há cobrança de IR, o que permite que as remunerações sejam atrativas, mesmo quando abaixo do índice de referência da renda fixa.
Com o IR de 5%, Patricia Palomo, planejadora financeira pela Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro), calcula que uma LCI precisaria oferecer taxa de 89% do CDI para ter rendimento líquido igual ao de um CDB que paga 100% do CDI. Hoje, sem o IR, 85% do CDI já entregam a mesma rentabilidade desse CDB em dois anos.
Custos mais altos
Mesmo com o mercado ainda digerindo as notícias, já é possível prever aumento de custos para as instituições, projeta o economista André Perfeito. Nas LCIs e LCAs, os emissores já não têm margem tão grande que gere “gordura para queimar”. Com o IR, “quem cria as LCIs e LCAs terá que entregar mais do próprio ganho para manter as taxas atrativas”.
Perfeito explica que, diferente do que acontece com mais frequência no varejo, quem origina produtos de crédito tem mais dificuldade de repassar custos ao consumidor – neste caso, o investidor. Para ele, “o momento é de esperar e observar” enquanto o mercado se equilibra.
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O advogado tributarista Érico Pilatti afirma que os emissores ainda vão decidir quanto poderão absorver dos novos custos em cima dos ativos isentos. “Daqui para frente, haverá uma tentativa de equilíbrio”, diz.
O que fazer agora?
Com a expectativa de impacto apenas nas emissões a partir de 2026, especialistas recomendam manter os investimentos já realizados.
“Não é recomendável se desfazer de títulos por conta disso. Além disso, dependendo do perfil de risco e do prazo do investimento, uma LCI ou LCA ainda pode ser competitiva frente a outras opções, mesmo com a nova alíquota”, falou José Victor Cassiolato, estrategista da VICTRIX.
Vale destacar que as novas regras ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso. A partir da vigência da nova regra, a orientação é que o investidor faça o gross up – ou seja, adicione a alíquota do Imposto de Renda ao cálculo para comparar corretamente os rendimentos líquidos com outras aplicações.