Além de unificar a alíquota de Imposto de Renda em 17,5% sobre ganhos com ativos digitais e acabar com a isenção para operações de até R$ 35 mil por mês, o governo federal também instituiu, por meio de medida provisória publicada na noite de quarta-feira (11), a tributação de rendimentos obtidos por meio de staking, um método popular de renda passiva no universo cripto.
O staking é um mecanismo pelo qual investidores mantêm criptomoedas bloqueadas em uma rede blockchain – como Ethereum (ETH) e Solana (SOL) – em troca de recompensas, de forma semelhante ao rendimento de títulos de renda fixa, como CDBs, LCIs e LCAs. A nova regra aplica a mesma alíquota de 17,5% sobre esses ganhos.
”Criaram regra de retenção na fonte para cessão temporária de ativos virtuais. Ou seja, a princípio, as exchanges e prestadoras de serviços de ativos virtuais em geral vão ter que fazer a retenção de 17,5% no caso de cessão temporária — exemplo: dependendo da forma como for estruturado por cada entidade, pode pegar staking-as-a-service, sim. Pegará renda passiva em geral’’, disse Daniel de Paiva Gomes, sócio de Paiva Gomes Advogados e Conselheiro da AbCripto.

Para Gomes, a inclusão do staking nessa medida provisória é desproporcional, considerando que o setor de ativos digitais ainda não está plenamente regulamentado no Brasil – apesar de o marco legar ter entrado em vigor em 2023, o Banco Central ainda trabalha na regulação da indústria de ativos digitais. ”Em termos de justiça fiscal, não acho razoável’’, falou o especialista.
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Tributação vale para ativos no Brasil e no exterior
A nova medida também afeta investidores que fazem staking em plataformas estrangeiras. Um dos artigos da MP determina que os ativos virtuais classificados como aplicações financeiras no exterior – conforme a Lei 14.754, que trata da tributação offshore – também estarão sujeitos à nova regra.
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‘’É difícil pensar nessa noção geográfica com criptomoedas, mas pelo critério da legislação, se tiver no Brasil, tem essa tributação, e se tiver no exterior, também tem essa tributação. Tem previsão expressa que tira em certa medida do âmbito de aplicação da Lei 14.754 para tratar os ativos virtuais da mesma forma tanto lá fora quanto aqui ‘’, disse Diogo Olm Ferreira, sócio de tributário do VBSO.
Como o governo fará esse monitoramento nas corretoras internacionais também é incerto. O Estado, segundo os especialistas, não teria mecanismos eficazes para ser aplicada ou exigida na prática. ”Não me parece que tenha enforcement/exequibilidade’’, disse Paiva Gomes.
Pressão sobre corretoras brasileiras
Thiago Barbosa Wanderley, tributarista sócio do Salles Nogueira Advogados e doutor em Direito Tributário pela USP, disse que não tem como obrigar que a empresa do exterior retenha imposto, e isso pode gerar pressão sobre as corretoras locais.
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”Sob a perspectiva das pessoas jurídicas, a medida pode prejudicar enormemente as exchanges nacionais, impondo obrigações de retenção na fonte quando de rendimentos de staking, enquanto as operações realizadas no exterior serão tributadas somente no final do período de apuração (também trimestral).”
Rocelo Lopes, CEO da SmartPay e criador da carteira Truther, disse que a MP representa uma ameaça direta ao ecossistema cripto nacional e pode inviabilizar o crescimento de startups brasileiras no setor.
“Ao meu ponto de vista, essa medida é muito ruim para as empresas nacionais que estão desenvolvendo produtos inovadores como staking e serviços financeiros baseados em blockchain. Estamos sendo impedidos de competir com corretoras estrangeiras, muitas das quais recebem investimentos milionários e operam em mercados mais estáveis e com regulamentações mais equilibradas”.
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Resumo das mudanças tributárias para criptoativos
- Unificação da alíquota para pessoa física em 17,5% sobre qualquer tipo de rendimento com criptoativos.
- Staking será tributado com a mesma alíquota de 17,5%.
- Tributação trimestral, tanto para operações no Brasil quanto no exterior. Antes, podia ser mensal ou anual.
- Fim da isenção para vendas mensais de até R$ 35 mil em criptoativos.
- Possibilidade de compensação de perdas para pessoas físicas.
- Vedação à compensação de perdas com criptoativos para pessoas jurídicas no lucro real, presumido ou arbitrado.
- Aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) para 15% ou 20% para prestadoras de serviços com ativos virtuais.
Impacto em outros ativos
A medida provisória também unifica as alíquotas de IR em 17,5% para aplicações em renda fixa e variável e acaba com a isenção de títulos como como LCI, LCA, CRI e CRA e de dividendos distribuídos por FIIs e Fiagros, que passam a estar sujeitos a 5% de IR.
As mudanças só começam a valer a partir de 2026, a menos que sejam bloqueadas pelo Congresso ou “caduquem” no prazo de 120 dias. No início desta semana, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse as medidas foram extremamente mal recebidas no Congresso e pelo setor produtivo.