São Paulo — Em meio a denúncias de fraudes envolvendo empréstimos consignados no país, aposentados dizem ter sido filiados, sem seu conhecimento, ao Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical (Sindnapi) em agências de correspondentes do banco BMG na hora de contratarem o crédito com desconto na folha de pagamento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
O sindicato tem como vice-presidente Frei Chico, irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e é uma das entidades investigadas pela Polícia Federal (PF) na farra dos descontos indevidos de mensalidade associativa sobre aposentadorias do INSS, revelada pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023.






Carros de luxo apreendidos com o “Careca do INSS”
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Motos importadas apreendidas na casa do “Careca do INSS”
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Mala de dinheiro apreendida em apartamento do “Careca do INSS”
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Polícia Federal deflagrou operação por fraudes no INSS
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PF cumpriu 211 mandados de busca e apreensão e 6 de prisão na Operação Sem Desconto
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Carlos Lupi pediu demissão do Ministério da Previdência 9 dias após operação da PF contra farra do INSS
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PF aponta três operadores da farra dos descontos contra aposentados, entre eles o “Careca do INSS” (ao centro)
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Jorge Messias, chefe da AGU
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Vinícius Carvalho, chefe da CGU
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Novo chefe da Previdência
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“Ninguém é autorizado a falar em nome do INSS”, enfatizou o presidente do INSS, Gilberto Waller Júnior
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O BMG, conhecido por ter sido um dos bancos envolvidos no escândalo do Mensalão durante o primeiro governo Lula (2003-2006), é uma das instituições financeiras autorizadas pelo INSS a vender crédito consignado a aposentados e tem sofrido condenações na Justiça por fraudes nessas contratações.
As autorizações para a venda do consignado foram assinadas tanto na gestão Lula (PT) quanto na de Jair Bolsonaro (PL), por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs). O expediente é o mesmo utilizado pelas entidades envolvidas no esquema bilionário de descontos indevidos que foi alvo da Operação Sem Desconto, deflagrada em abril pela PF em conjunto com a Controladoria-Geral da União (CGU).
Sindicato do irmão de Lula
- Dirigido por Frei Chico, o Sindnapi foi a terceira entidade que mais arrecadou com descontos, entre 2019 e 2024, e teve salto de faturamento de R$ 100 milhões em três anos, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU). A entidade contesta esta cifra. Em apenas três anos, o número de aposentados filiados a ela cresceu de 170 mil para 420 mil.
- O sindicato é citado na operação da PF, mas não foi alvo de buscas e apreensões. Em uma auditoria da CGU, 20 de 26 aposentados filiados ao Sindnapi entrevistados pelo órgão disseram não reconhecer seus vínculos com a entidade do irmão de Lula.
- O Sindnapi enfrenta queixas no Judiciário de aposentados que se filiaram a ele em agências do BMG. Em boa parte dos casos analisados pela reportagem, venceu os processos porque apresenta áudios e até vídeos dos aposentados se filiando à entidade e autorizando os descontos.
- A entidade tem uma cooperativa de crédito consignado ligada ao Sicoob, mas também manteve parceria com o BMG para atrair filiados.
Aposentado denuncia fraude em filiação
Em um dos casos, por exemplo, o aposentado José Luiz Gregório, de 63 anos, morador de Teixeira de Freitas, no extremo sul da Bahia, afirma que foi filiado ao Sindnapi sem autorização ao pedir um crédito consignado ao BMG (veja abaixo).
Nos autos, seu advogado, Anderson Koehler, afirmou que ele nunca foi sindicalizado, não haveria por que fazê-lo “a essa altura da vida, muito menos perante a um sindicato localizado em São Paulo, que não lhe traz nenhuma vantagem”.
Ao Metrópoles, Gregório afirma que nunca esteve na entidade e nem sabia o que era o Sindnapi. “Fizeram esse negócio para levar meu dinheiro. Meu, não. Deve estar levando de muita gente junto comigo, porque eu fui descobrir isso dentro do INSS”, disse o aposentado.
Incialmente, a ação foi julgada improcedente. O Sindnapi anexou uma foto de Gregório e um áudio no qual o aposentado topa se filiar ao sindicato. Também exibiu uma foto dele em uma agência do BMG, no momento em que se filiou.
Em recurso, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) reverteu a decisão para cancelar o contrato e mandar o sindicato devolver os valores ao aposentado. Desembargadores consideraram que não ficou comprovada a anuência explícita de que ele queria se filiar à entidade. Ele não ganhou indenização a título de danos morais.
As queixas de aposentados, em geral, são que correspondentes bancários têm inserido contratos do Sindnapi em meio à documentação de crédito consignado contraídos com bancos autorizados pelo INSS e operarem esses empréstimos com desconto em folha. O sindicato nega venda casada.
O que diz o Sindnapi
Por meio de nota, o Sindnapi afirma que contratou uma corretora de seguros vinculada ao BMG para atender os associados e que “na época da pandemia, os idosos tinham um problema com custo de funeral e dos preços dos remédios”.
“Com a contratação desse serviço, diz, os associados do Sindnapi, naquele momento de emergência, passaram a contar com assistência funeral, que cobria todos os custos, e o seguro de vida, além de oferecer remédios de graça para sócios que são atendidos em emergência hospitalar, como no caso da Covid-19.”
“Também foram contratados, em razão das demandas dos associados, os serviços de assistência residencial, como eletricista, chaveiro e encanador para atendimento dos associados que tenham dificuldades de fazer alguns tipos de reparos ou serviço doméstico, como trocar uma lâmpada ou uma resistência de chuveiro”, diz a entidade.
Segundo o Sindnapi, “com a contratação desses serviços, a corretora ligada ao BMG trouxe para fazer parceria a seguradora Generali, que é uma das maiores do mundo”.
O sindicado do irmão de Lula afirma, ainda, que não “existe venda casada nas filiações do Sindnapi, pois 95% das pessoas que procuraram o crédito consignado não ficaram sócios”.
“Se houvesse venda casada, a proporção seria inversa. Outo dado importante é que esse serviço de crédito consignado utiliza um sistema diferente do serviço de filiação. Ou seja, quando você vai fazer um empréstimo, é utilizado um sistema e, para a filiação, é usado outro sistema independente.”
“Além disso, em momento nenhum o aposentado ou pensionista assina o documento de filiação incluído na pasta do empréstimo consignado. O Sindnapi exige que a pessoa grave um áudio dizendo que está se associando de forma espontânea, tira foto dela com um crachá ou adesivo dizendo ‘Eu sou Sindnapi’ e esse serviço todo sempre foi apartado do crédito consignado”, conclui.
Procurado pelo Metrópoles, o BMG não se manifestou. O espaço segue aberto.
A farra do INSS
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da CGU. Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23 de abril e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.