São Paulo — O homem denunciado pelo Ministério Público por usar, durante 45 anos, o nome falso “Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield” mentiu seu endereço durante depoimento à Polícia Civil.
No dia 2 de dezembro de 2024, José Eduardo Franco dos Reis, de 67 anos, afirmou à polícia que vivia em uma casa na Rua Afonso Celso, na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. As investigações mostraram, no entanto, que o endereço citado no depoimento está alugado por uma mulher há dois anos. A locatária afirma que nunca viu o juiz aposentado.
O relatório policial do caso, ao qual o Metrópoles teve acesso, conta que o proprietário do imóvel, assim como a imobiliária onde a casa está cadastrada, foram contatados pela investigação. Tanto o proprietário, quanto o funcionário responsável pela conta do imóvel na empresa, afirmaram não conhecer nem José Eduardo nem Edward Albert.
O funcionário da imobiliária também disse que nenhuma pessoa com aqueles nomes fechou contrato com a empresa ou foi fiadora de algum imóvel.
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Nesta terça-feira (8/4), o Metrópoles foi até o endereço na Rua Afonso Celso e conversou com a locatária da casa citada. A mulher contou que vive no imóvel desde janeiro de 2023 e disse que, antes disso, o lugar era ocupado por escritórios comerciais.
“Aqui foi clínica de psicólogo, escritório de advocacia. Era sempre de uso comercial. Foi dentista, um monte de coisa”, disse a moradora, que pediu para ter o nome preservado na reportagem.
A moradora levou um susto quando, no fim do ano passado, um policial tocou sua campainha e perguntou se ela conhecia alguém chamado José Eduardo ou Edward. “Ele falou que ele estava se passando por outra pessoa”, lembra. “Um rapaz que vivia na Inglaterra e ‘tava’ se passando por um irmão gêmeo. Eu lembro essa frase”, conta.
Vizinhos da casa com quem a reportagem conversou, e que moram ali há diversos anos, também disseram nunca ter visto o juiz denunciado quando foram apresentados a uma foto dele.

José Eduardo Franco dos Reis é o nome verdadeiro do juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, segundo MPSP
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O documento com nome falso usado pelo juiz José Eduardo Franco dos Reis
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Irmão gêmeo?
Na mesma data em que disse viver na Rua Afonso Celso, José Eduardo alegou para a Polícia que Edward era seu irmão gêmeo e que foi ao Poupatempo Sé para tirar uma segunda via do RG do irmão, que vivia na Inglaterra. A investigação mostrou, no entanto, que não há nenhum registro de cidadão com este nome no sistema britânico.
Na denúncia do caso, o Ministério Público diz que José Eduardo criou a persona fictícia de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield em 1980. Desde então, enganou diversas instituições públicas usando o nome falso.
Entenda o caso
- No dia 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via do RG, afirmando ser Edward Albert. Na ocasião, ele apresentou uma certidão de nascimento com o nome de origem inglesa.
- Quando as digitais do suposto Edward entraram nos sistemas de identificação do Poupatempo, no entanto, o computador apontou que elas pertenciam, na verdade, a um homem chamado José Eduardo Franco dos Reis.
- Por causa das inconsistências, a Polícia Civil abriu uma investigação contra o suspeito, que terminou comprovando uma duplicidade de registros. Segundo o MPSP, José Eduardo tinha conseguido não apenas fazer um documento de identidade em nome de Edward Albert, como também tinha título de eleitor, CPF e passaporte com a identidade falsa.
- A denúncia afirma ainda que José usou o passaporte com nome inglês para deixar o país, depois que a fraude foi descoberta.
- O acusado utilizava identidade falsa pelo menos desde 1980, segundo a investigação. Em 19 de setembro daquele ano, ele teria apresentado cópias falsas de documentos para conseguir registrar a identidade de Edward no Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD).
- Com a identidade falsa, José se matriculou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, passou em um concurso para juiz. Em entrevista sobre a aprovação para o cargo naquela ocasião, ele afirmou ser descendente de nobres britânicos. Seu avô teria sido um juiz no Reino Unido.
- O acusado também conseguiu tirar habilitação e comprou um carro com a identidade falsa. A investigação cita que ele manteve a identidade verdadeira em uso e chegou a pegar segunda via do RG verdadeiro em 1993. Naquela época, o sistema do IIRGD não estava “aparelhado para identificar a fraude”, segundo o MPSP.
- Com o sistema automatizado de agora, no entanto, foi possível descobrir a mentira.
O Metrópoles não conseguiu contato com José Eduardo. O espaço segue aberto para manifestação.