Mensagens obtidas na apuração da operação Retomada são utilizadas pelos investigadores como indício da atuação do juiz Glauco Coutinho Marques no suposto esquema de descontos indevidos de aposentados e pensionistas.
A operação teve sua 2ª fase deflagrada na última sexta-feira (16/5) pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público da Paraíba.
Como mostrou a coluna, a investigação já identificou 11 associações ou entidades fraudulentas que moveram 230 ações coletivas na Paraíba. No total, cerca de 100 mil aposentados e pensionistas em todo país foram atingidos e os descontos ilegais somam R$ 126 milhões.
De acordo com a CGU, decisões judiciais manipuladas na comarca de Gurinhém, na Paraíba, promoviam diversas modalidades de irregularidades.
Uma delas, era a “suspensão dos descontos referentes a empréstimos consignados já efetivados em contracheques de servidores, aposentados e pensionistas”. Dessa forma, era liberada a margem para novos empréstimos consignados feitos por meio das associações fictícias.
O grupo também usava as decisões judiciais para excluir o registro negativo nos cadastros de proteção ao crédito como o Serasa, liberando a obtenção de mais empréstimos.
Leia também
-
Fabio Serapião
Grupo usava decisões judiciais para fraudar consignado, diz CGU
-
Fabio Serapião
Gaeco na Paraíba mira R$ 126 mi em descontos ilegais de aposentados
-
Fabio Serapião
Juiz levou 16 minutos para decidir em fraude de consignado na Paraíba
-
Fabio Serapião
Apuração de fraude contra aposentados mira juiz e “fórum shopping”
A coluna teve acesso à decisão que autorizou as ações das autoridades, em que são reproduzidos diálogos entre advogados que citam a comarca de Gurinhém, em que Glauco atuava.
Segundo as investigações, o juiz é uma figura central nos fatos apurados, contra quem recaem suspeitas de manipulação de “atos de jurisdição”. A defesa nega qualquer ilícito.
Em uma dessas conversas, de 15 de fevereiro de 2023, o advogado Sulpício Pimentel Neto diz à advogada Hadassa Pimentel que Hilton Neto “faz a ponte de Gurinhém” e “está conosco”.
Hilton Neto é outro que está na mira das autoridades, e é apontado como principal articulador do esquema devido a sua proximidade com o juiz. Sua defesa também nega qualquer envolvimento com os fatos referentes à investigação.
No dia 8 de maio, os mesmos interlocutores tratam de um processo envolvendo uma associação. Hadassa, então, diz a Sulpício que teria enviado pedidos de habilitação no processo e teria falado com Hilton. “Já enviei a Hilton para que ele despache com MM”, diz Hadassa.
Poucos dias depois, em 16 de maio, Hadassa fala a Sulpício que precisa que “o juiz de Gurinhém despache sobre a nossa petição de descumprimento dos bancos”. E pergunta: “ Com quem eu posso despachar sobre isso?”.
Sulpício, então, responde que “Gurinhém é com Hilton”.
Hadassa, então, pergunta se estaria autorizada a falar com Hilton, e Sulpício diz que ela “pode falar”.
A decisão também cita diálogos entre Hadassa e o próprio Hilton.
Segundo consta no documento, ela envia a Hilton o seguinte: “Dr. Hilton, tudo bem? Meu pai me passou seu contato. Dr., irei peticionar no processo do Bacen informando o descumprimento da decisão. Porém, há 3 pedidos requerendo habilitação nos autos, e o cartório ainda não procedeu com a habilitação. O dr. teria como nos ajudar, para que o cartório habilite os bancos?”.
Na sequência, Hilton responde: “Boa tarde Dra. Claro que sim”.
De acordo com o Ministério Público, a atuação de Hilton como “principal articulador do esquema” se dá por sua “estreitíssima relação com Glauco Coutinho Marques”.
“Cabe a ele, para muito além do exercício do mister advocatício, intermediar a manipulação das decisões judiciais. Embora ele não figure diretamente como patrono nas inúmeras de ações judiciais distribuídas ilegalmente no foro de Gurinhém pelo grupo criminoso, serve como canal de contato do juiz com os outros advogados envolvidos, em troca de vantagens financeiras, utilizando-se, por vezes, de interpostas pessoas para fazê-lo”, diz a decisão que autorizou a operação.
Defesa
A defesa do juiz Glauco Marques afirmou que o juiz sempre esteve disponível para contribuir com a justiça e nega todas as imputações feitas na representação do Ministério Público, que resultaram no afastamento do cargo de juiz.
O advogado também cita que o processo está sob sigilo, mas destaca que “não há uma única prova ou ao menos indícios que determinem qualquer ligação ou mesmo afetividade e amizade entre Glauco e os advogados das referidas associações”.
“O que se tem, na verdade, é um juíz que em sua judicatura, homologou acordos entre a associação citada e seus próprios associados, e deferiu liminares que por vezes não foram sequer revogadas pelo Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba”, afirma.
De acordo com o advogado, após o cumprimento de “dezenas de cautelares, inclusive, buscas e apreensões, não se olvidou qualquer transação bancária efetivada em favor do juiz, ou mesmo conversas entre os envolvidos”.
A defesa diz ainda que, apesar das centenas possíveis ações identificadas pela investigação, pouco “mais de uma dezena destes processos” ficaram sob responsabilidade do juiz.
Já a defesa de Hilton Neto nega, “de forma veemente e genérica, qualquer envolvimento com os fatos mencionados na investigação referente à chamada ‘Operação Retomada’”.
“Esclarecemos que o Dr. Hilton nunca participou de associações, tampouco atuou profissionalmente na área do Direito Previdenciário, não possuindo qualquer vínculo com as entidades investigadas”, afirma.
O advogado que representa Hilton também disse que ainda não teve acesso aos elementos de prova colhidos no inquérito, “o que impede qualquer manifestação técnica ou específica sobre os fatos narrados”.
A coluna também entrou em contato com Hadassa e Sulpício. Ambos disseram que não iriam se manifestar, uma vez que a investigação tramita sob sigilo.
No entanto, Hadassa disse que reitera sua “plena disposição em colaborar com a Justiça, sempre que regularmente intimada ou convocada nos termos da lei, preservando, contudo, os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da presunção de inocência”.
Já Sulpício disse que a menção a seu nome em diálogos transcritos de forma isolada “não pode ser interpretada como indicativo de qualquer envolvimento ilícito, sobretudo em se tratando de conversas de natureza privada, informal e que não guardam relação com qualquer prática criminosa”.
Ele afirma que nunca obteve “qualquer tipo de vantagem indevida, direta ou indiretamente, e não mantenho qualquer relação institucional, funcional ou de parceria com o magistrado mencionado, muito menos com o propósito de interferir em decisões judiciais”.