São Paulo — A milícia que extorquia comerciantes no Brás, na região central de São Paulo, utilizava associações e Organizações Não Governamentais (ONGs) para cobrar aluguel, taxas de segurança e de energia elétrica das vítimas. Os valores deveriam ser pagos para que os lojistas pudessem continuar atuando no local, que é um importante centro comercial da capital paulista.
No caso de não pagamento, os comerciantes eram agredidos e impedidos de trabalhar no Brás. Há ainda episódios de tortura, registrados em vídeo e divulgados com exclusividade pelo Metrópoles.
Pelo menos quatro entidades são citadas no processo judicial que investiga o grupo criminoso: CoopBrás, ONG COTA SP, Associação Circuito das Compras (Acircom) e Associação de Expositores e Comerciantes em Geral (ASSEEXECOM).
Para a Polícia Civil, essas entidades funcionavam como uma forma de mascarar as atividades criminosas, dando uma aparência de “licitude para a população em geral e para o poder público”.
A investigação apontou ainda que as associações serviam para formalizar o controle territorial, dividido entre as lideranças da milícia, e para lavar o dinheiro advindo das extorsões. Até mesmo as extorsões eram mascaradas pelas entidades, através de “taxas associativas”.
Valores cobrados por milícia a comerciantes do Brás
As taxas cobradas dos comerciantes variavam de acordo com o “serviço”, a localização do camelô ou boxe no Brás e a entidade responsável pela cobrança, que atingia milhares de vítimas, movimentando quantias volumosas de dinheiro.
De acordo com o estatuto da CoopBrás, o associado precisava pagar uma taxa de R$ 500 no momento da adesão. Nos meses seguintes, eram cobradas duas taxas administrativas: uma para custear a “operacionalidade” externa (no valor de R$ 120) e a outra interna (R$ 30).
Além disso, os comerciantes que atuavam no território da entidade precisavam pagar entre R$ 50 e R$ 300 semanais por “segurança” e pelo fornecimento de luz. A energia elétrica era puxada por um “gato” feito em um poste da Enel.
Como a CoopBrás tinha, pelo menos, 800 associados, de acordo com os depoimentos presentes na investigação, a entidade faturava — semanalmente — entre R$ 40 mil e R$ 240 mil.
A ONG COTA SP cobrava R$ 60 por semana de cada comerciante. Com 105 associados, a entidade faturava R$ 6.300 semanalmente.
A ASSEEXECOM, por sua vez, tinha 150 associados que pagavam, em média, R$ 100 por semana, totalizando um faturamento de R$ 15 mil. Além disso, a associação ainda cobrava o aluguel semanal de dois boxes, por R$ 250 e R$ 300.
A Acircom, por fim, exigia uma taxa de R$ 10 mil aos associados e R$ 500 de aluguel semanal por um ponto. O Ministério Público de São Paulo (MPSP) apontou que o aluguel de um ponto na Rua Monsenhor Andrade, por 20 anos, custa R$ 100 mil. A investigação não aponta o número específico de associados da entidade.
Vídeo com armas e sacolas de dinheiro
O Metrópoles publicou, com exclusividade, uma série de vídeos em que os suspeitos de integrar a milícia do Brás aparecem com malotes de dinheiro e fazendo piadas com armas de fogo.
“Tão precisando de R$ 20 mil na conta agora, R$ 20 mil. Tem aí? Manda ver”, diz um dos homens que filma sacolas cheias de dinheiro.
“Esse daqui é o dinheiro que vai pro São Caetano [time de futebol], né. Um pedacinho pra pagar o pessoal, que tá atrasado. Caso alguém faça algo errado, tá aqui o apito do juiz, e esse é o VAR, pra ter certeza”, diz outro suspeito mostrando revólveres próximos a malotes de dinheiro.
Veja as imagens:
Milícia do Brás
- De acordo com depoimentos de vítimas e testemunhas, obtidos pelo Metrópoles, os comerciantes da Feira da Madrugada são extorquidos por criminosos que cobram, semanalmente, uma “taxa de segurança” — que varia entre R$ 50 a R$ 300, dependendo da área e do grupo controlador.
- Os criminosos cobram ainda valores por aluguel do metro quadrado nas calçadas e também por box, dentro dos centros comerciais, além de uma taxa de fornecimento de energia elétrica, que é desviada de postes de iluminação da Enel.
- Durante as cobranças, os milicianos, muitas vezes, ameaçaram e agrediram os comerciantes, afirmando serem integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e também policiais, portando arma de fogo para intimidar as vítimas. Mais tarde, as investigações confirmaram a participação de agentes públicos no esquema.
- As vítimas também relataram ter mercadorias destruídas, além de terem sido retiradas à força da área de comércio, após atrasar ou não conseguir pagar os valores exigidos pelos criminosos.
- Há ainda relatos de casos de tortura, principalmente no núcleo criminoso chefiado por Manoel Simião Sabino Neto, o Sabino. Vídeos divulgados com exclusividade pela reportagem mostram os episódios de agressões.
- Em 27 de abril, uma das testemunhas protegidas foi morta a tiros na frente de casa, quando saia para ir à Feira da Madrugada. O caso foi registrado como homicídio pelo 24º Distrito Policial (Ponte Rasa), e encaminhado ao Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde segue em investigação.