A nova proposta do governo para o Imposto de Renda sobre investimentos de renda fixa pode afetar mais do que o bolso do investidor. Além de reduzir o apetite pelo longo prazo – como já vem sendo apontado -, a medida, que pode entrar em vigor em 2026, também traz um efeito colateral pouco discutido: o risco de dificultar a captação de recursos pelo Tesouro Nacional em um momento em que o Estado mais precisa.
O endividamento bruto do governo federal atingiu R$ 7,617 trilhões em abril, o que representa 76% do Produto Interno Bruto (PIB). O Brasil, assim como outros países, tem a necessidade de refinanciar constantemente essa dívida, emitindo novos títulos, pagando os juros e resgates com o dinheiro captado e assumindo uma nova dívida com novos prazos e condições, em um processo chamado de rolagem.
Hoje, cerca de 26% a 27% da dívida está atrelada a títulos com vencimento superior a cinco anos, enquanto papéis com vencimento em até 12 meses representam aproximadamente 18%, segundo dados repassados por Guilherme Almeida, head de Renda Fixa da Suno Research. Essa divisão se manteve até então porque os investidores tinham um benefícios fiscal para manter os ativos por mais tempo.

Mas o equilíbrio pode se deteriorar com o novo modelo tributário, segundo o especialista. A unificação da alíquota em 17,5% para a maioria dos produtos de renda fixa – inclusive os títulos do Tesouro Direto – derruba a tabela regressiva que ia de 22,5% a 15%, conforme o prazo da aplicação, removendo o benefício tributário por manter o investimento até o vencimento.
”Quando a gente tem um aspecto como esse que desestimula o investidor a alocar recursos em títulos de longo prazo, isso prejudica também o governo, porque ele vai se ver obrigado a se refinanciar em uma frequência maior por conta desse incentivo ao investimento em títulos com horizontes mais curtos”, disse Almeida.
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Prêmio precisa subir
Para atrair capital em um cenário menos favorável, o Tesouro Nacional precisará oferecer prêmios mais altos, apontam especialistas. Esse movimento já aparece nos títulos IPCA+ com vencimentos a partir de 2035 (NTN-Bs), cujas taxas atingiram 7,35% nesta semana – reflexo direto das mudanças tributárias.
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”O fim do escalonamento reduz o incentivo para o investidor manter os recursos por longo prazo, já que ele não é mais premiado com a tributação menor para carregar o título até o vencimento. Assim, para o Tesouro Nacional, fica mais difícil atrair recursos privados para títulos de longo prazo”, disse Jorge Ferreira dos Santos, economista e professor do curso de Administração da ESPM.
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Uma das mudanças do governo, por exemplo, foi no VGBL. Conforme a nova proposta, haverá incidência de 5% sobre o excedente de R$ 300 mil anuais até o fim de 2025 (equivalente a R$ 25 mil por mês). A partir de 2026, o limite isento passa para R$ 600 mil anuais (ou R$ 50 mil mensais).
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”Com essa nova tributação no VGBL, o diferimento ficou reduzido ou eliminado e a alíquota efetiva sobre os rendimentos futuros desses fundos aumenta. Os investidores institucionais e de alta renda que costumavam alocar recursos nesses fundos podem perder o interesse em financiar os títulos públicos de longo prazo via fundos de previdência ou fundos exclusivos, pois a vantagem fiscal ficou reduzida ou desaparece’’, disse Santos.
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Risco fiscal
A elevação nas taxas de juros reais longas, mesmo diante de um IPCA abaixo do esperado, indica que o mercado está reprecificando o risco fiscal estrutural, segundo o consultor de investimentos Harion Camargo.
”O aumento do prêmio exigido para carregar títulos mais longos reflete a preocupação com a sustentabilidade fiscal e com a previsibilidade das regras do jogo, especialmente após iniciativas que comprometem a atratividade de instrumentos tradicionais de previdência e investimento”.
Para Ferreira, da ESPM, reverter a alta dos juros reais de longo prazo e estimular a poupança exigirá um esforço consistente: a recuperação da confiança na política fiscal, com medidas estruturais que restabeleçam a previsibilidade e o compromisso com o equilíbrio das contas públicas.
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”De algum jeito vai ser preciso rever novamente as medidas que enfraqueceram a atratividade dos títulos de longo prazo e retomar os incentivos para a poupança”, disse.