São Paulo — O governo do estado de São Paulo iniciou, na última segunda-feira (12/5), a demolição de casas desocupadas da Favela do Moinho, no centro da capital paulista. A ação virou motivo de protestos dos moradores e desencadeou na decisão do governo federal de interromper o processo de cessão do território. Mas, afinal, o governo pode ou não demolir casas no local?
O terreno onde a favela está instalada foi ocupado por moradores na década 1990, após a desativação de uma antiga fábrica de farinha. O local acabou transferido para a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), chegou a ser leiloado, mas voltou recentemente para o patrimônio da União, após uma decisão judicial. Atualmente, a área é administrada pela Secretaria do Patrimônio Urbano (SPU).
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Por essa razão, o governo estadual não possui a posse da a área e depende da permissão da SPU para fazer interferências no local. Em novembro de 2023, a gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) entrou com pedido para que a União cedesse o espaço ao estado.






Fumaça invade centro de São Paulo durante protesto contra demolição de casas na Favela do Moinho
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Policiais avançam contra protesto na Favela do Moinho
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PMs na Favela do Moinho
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A proposta de Tarcísio é usar a área para construir o Parque Urbano do Moinho, além de outras instalações. Para isso, o governo federal exigiu, como contrapartida, que o estado apresentasse um plano de reassentamento para os moradores.
Esse plano, apresentado em abril de 2025 pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU), prevê a oferta de 788 unidades habitacionais em distritos da região central da cidade aos moradores do Moinho por meio de um programa de financiamento.
Desde antes da apresentação do plano, no entanto, o governo Tarcísio vinha negociando a saída da população do local, com a oferta de cartas de crédito e moradias no CDHU também em bairros fora do centro.
Em meio às críticas ao programa habitacional — acusado, entre outros aspetos, de incentivar os moradores a fraudar a própria renda e de pressioná-los a assinar contratos –, parte das famílias aceitou as propostas e deixou a favela, desocupando as habitações no Moinho.
Foi quando começou o entrave sobre a demolição ou não dos imóveis. O governo estadual afirma que as moradias vazias oferecem risco à segurança e à saúde dos moradores que permanecem na favela e defende a derrubada dos imóveis.
Nesta terça-feira (12/5), a gestão Tarcísio demoliu seis casas desocupadas no terreno, em um processo que continuaria no dia seguinte. Em nota enviada à imprensa naquele dia, o governo estadual afirmou que as casas representavam “risco pela estrutura precária”, e que tinham sido lacradas pela prefeitura por causa do problema.
Segundo a gestão, a demolição em áreas de risco compete à prefeitura, e não dependeria da União, ainda que o terreno seja deles.
Na mesma data, a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) autorizou, por meio de um ofício, que a gestão Tarcísio, em parceria com a Prefeitura de São Paulo, realizasse “a descaracterização das moradias de famílias que optaram voluntariamente por aceitar a alternativa habitacional proposta pela SDUH e CDHU”.
No fim do segundo dia de demolições, o superintendente do Patrimônio da União, Celso Santos Carvalho, argumentou, em reunião com lideranças e parlamentares, que liberar a descaracterização era diferente que autorizar as demolições.
À imprensa, Celso disse: “Descaracterizar é você tirar a janela, o vazo sanitário, aquelas condições para que as pessoas não possam reocupar a área. [O que foi feito pela CDHU] não é uma descaracterização. Viola o que nós estávamos propondo e o nosso acordo com o governo do estado”.
O que dizem especialistas
O advogado Vitor Inglez, associado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e pesquisador do LAB Cidades, da Universidade de São Paulo (USP), diz que a decisão pela demolição de uma casa “em situação de risco” deve seguir “estritamente procedimentos administrativos e judiciais”, e, diferente do que foi observado na Favela do Moinho, devem prever o direito ao contraditório e a adoção de medidas de mitigação do risco constatado.
“Estes procedimentos estão previstos, sobretudo, no Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo (Lei Municipal nº 16.642/2017), que, dentre outras medidas, impõe que a constatação do risco seja feita por “vistoria técnica realizada por servidor com competência específica”, com a lavratura de auto de interdição”, afirma Vitor.
Segundo ele, o ritual prevê que o morador seja intimado para defesa e a adoção das medidas necessárias à solução da irregularidade indicada pela vistoria técnica, por exemplo. “Apenas depois de cumprido adequadamente este procedimento e esgotados os prazos de defesa do morador/a, existe a possibilidade de ‘ajuizamento da ação judicial cabível’ pela procuradoria do Município”.
“Salvo engano, nenhum destes procedimentos foi adotado e nenhuma das garantias e direitos legalmente assegurados aos moradores/as foi observado, sendo o “risco” uma mera alegação dos órgãos estaduais e municipais interessados na remoção”, complementou o advogado.
Uma especialista em direito habitacional ouvida pelo Metrópoles apontou o mesmo problema. Sob condição de anonimato, por atuar no setor público, ela disse que não houve uma avaliação de risco que justificasse as demolições.
“A análise de risco em áreas urbanas adensadas e diversas, como a Favela do Moinho, deve ser realizada com extremo cuidado e responsabilidade. É fundamental que qualquer decisão sobre demolição seja baseada em laudos técnicos detalhados e análises individuais que comprovem a necessidade de tal ação”, afirmou.
Segundo a especialista, a ausência de justificativa de risco se comprova com a própria postura da CDHU no início das remoções, que vinha fazendo a descaracterização das casas até a última segunda, quando começaram as demolições.
O que diz a União
Ao Metrópoles, nesta terça-feira, o superintendente da SPU afirmou que a ação da Defesa Civil sobre um imóvel em situação de risco não é de competência da pasta, mas que a decisão sobre a demolição poderia ser questionada judicialmente, caso exista divergência sobre os argumentos usados.
“Não é competência da União autorizar uma ação no âmbito da Defesa Civil. Se ela se entende, se o Governo do Estado entende, que existe um problema de risco e que precisa de uma intervenção, isso é competência do Governo do Estado e ele deve responder por essa ação. […] Se essa ação for irregular, ela tem que responder. Quando há divergência, isso é resolvido pela Justiça”, afirmou.
No momento da entrevista, o superintendente defendeu que um acordo entre o governo estadual e a União para que o processo de reassentamento das famílias na Favela do Moinho ocorresse de forma pacífica.
Depois disso, no entanto, a SPU emitiu uma notificação ao governo do estado, interrompendo o processo de cessão do terreno. A secretaria argumentou que a forma como a gestão estadual está atuando – com o emprego de violência contra a população ao longo da semana – viola o acordo firmado entre as duas esferas.
A partir dessa posição do governo federal, a gestão Tarcísio também mudou de postura. Ao invés do termo “demolição”, usado em notas da CDHU no dia 12, a assessoria passou a defender que estava realizando descaracterizações (imagem em destaque). Segundo a companhia, só houve a retirada total de casas nas situações em que a permanência da estrutura dos imóveis representava um risco para os moradores.
O que diz a prefeitura
Em nota, enviada ao Metrópoles, a Subprefeitura da Sé disse que presta apoio ao governo do estado nas ações realizadas na Favela do Moinho, conforme parecer da Procuradoria Geral do Município (PGM).
“A autorização para o desfazimento dos imóveis foi concedida em razão dos riscos para moradores e estruturas, uma vez que a comunidade possui um histórico de incêndios, desabamentos e construções irregulares. Para atendimento dos moradores, a Secretaria Municipal de Habitação firmou um convênio com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) para custear 50% dos recursos destinados ao pagamento do auxílio aluguel. Todos os comerciantes também serão atendidos com indenizações”, complementou o texto.