Contrariando alegações de parte das defesas de que os julgamentos das denúncias sobre uma tentativa de golpe de Estado não estavam sendo individualizadas, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou pela primeira vez, nesta terça-feira (20), denúncias contra dois militares.
Por unanimidade, os ministros decidiram que não havia provas suficientes contra Cleverson Ney, coronel da reserva e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres, e contra Nilton Diniz Rodrigues, general do Exército.
Os militares compõem o chamado “núcleo 3” da tentativa de golpe, grupo tido como responsável pelas ações táticas do suposto plano que impediria a posse do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Cleverson e Nilton foram denunciados principalmente por terem sido citados em troca de mensagens e por participação em reuniões com outros envolvidos. O papel dos dois, segundo a PGR, seria exercer pressão sobre o alto comando das Forças Armadas para aderirem ao golpe.
“O que a denúncia descreve, o que fez o denunciado, a sua conduta fática, tem que se adequar aos elementares do tipo penal para que, pelo menos em um primeiro momento, que haja fortes e razoáveis indícios de autoria daquele tipo penal. Na presente hipótese, e com absoluta certeza digo isso, a tipicidade em relação a Cleverson Ney Magalhães e Nilton Diniz Rodrigues não encontra respaldo no material probatório”, afirmou o ministro relator Alexandre de Moraes.
Com a decisão de livrar dois denunciados, subiu para 31 o número de réus no Supremo por envolvimento na tentativa de golpe de Estado em 2022.
Além de Cleverson e Nilton, o núcleo conta com mais nove militares e um policial federal. A análise das denúncias por núcleos tem sido alvo de críticas das defesas, que argumentam que o julgamento deveria ocorrer de forma individual, com base nas condutas específicas de cada acusado.
Segundo essa linha, se as denúncias fossem analisadas separadamente, as penas poderiam ser mais brandas e, em alguns casos, o Supremo ter a competência questionada para julgar os réus sem foro privilegiado.
Moraes contesta argumentos dos advogados
Abrindo a votação que se sustentou por cerca de 2 horas e meia, Moraes reiterou por diversa vezes a gravidade do caso julgado e ironizou argumentos de advogados.
Parte das defesas afirma que os denunciados não podem responder pelos crimes de Atentado contra o Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado, porque um golpe nunca foi de fato consumado.
“Nenhum crime é tipificado na forma tentada […] Me parece que aqui nenhum dos presentes acreditaria que, se houvesse golpe de Estado, estaríamos aqui a julgar esses dados. Eu dificilmente seria relator. Minha suspeição provavelmente seria julgada pelos kids pretos”, disse em tom de brincadeira.
O ministro rebateu ainda argumento usado com frequência por Jair Bolsonaro (PL). Réu por envolvimento na trama golpista e acusado de incitar os ataques de 8 de janeiro, o ex-presidente afirma que não pode ser condenado por depredar o patrimônio público, já que sequer estava no Brasil no dia dos atentados.
Carta assinada por oficiais
Ao comentar sobre a carta assinada por oficiais da ativa das Forças Armadas e divulgada em 2022, Moraes fez novo comentário irônico e afirmou que a nação brasileira não estava pedindo um golpe aos militares.
A carta dizia que as Forças não abandonariam a nação. As investigações apontam que o documento foi uma tentativa de parte dos militares de pressionar o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, a apoiar a trama golpista.
“A nação não estava pedindo aos militares. A nação sabe, e por isso o comandante do Exército negou participar do golpe, que as forças armadas não são um poder moderador”, afirmou Moraes.
Dino cutuca as Forças Armadas
Segundo ministro a votar, Flávio Dino cutucou as Forças Armadas durante a fala. Ele afirmou que “todos os cidadãos brasileiros são igualmente patriotas” e que somente o Poder Judiciário pode “distinguir, classificar e punir as pessoas”.
“Creio que isso deve ficar muito assentado para que nós possamos com esse julgamento contribuir para a defesa do Estado Democrático de Direito de forma responsável e não apenas até a próxima esquina da história”, afirmou o ministro.
“Gravidade incontestável”
Em seu voto, Cármen Lúcia declarou que o caso é de “gravidade incontestável”. Chamou atenção ainda para o fato de que nenhuma das defesas teria negado que houve tentativa de golpe de Estado, usando de outras estratégias jurídicas para os clientes.
Nesse momento, Moraes e Dino pediram a palavra e relembraram a ditadura militar. Moraes destacou que nem mesmo após o Ato Institucional de Nº 5 (AI-5) – considerado o período mais duro do regime – discutia-se o assassinato de ministros do Supremo.
Com a palavra, Cármen Lúcia também afirmou que nunca viu um “tirano” se dizer contra a democracia, que eles defendem o sistema desde que seja sem a participação do povo. “Eles são a favor da democracia sem povo. E aí não dá certo, porque a democracia é o governo do povo”, afirmou a ministra.