São Paulo — A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) denunciou à Corregedoria dos Presídios do Estado supostas violações de direitos de gestantes, puérperas e bebês custodiados na ala materno-infantil da Penitenciária Feminina Sant’Ana, na zona norte de São Paulo.
O pedido tem como base um relatório elaborado a partir de uma visita realizada na penitenciária em 29 de abril deste ano. De acordo com o documento, foram relatadas condições incompatíveis com a dignidade humana e os direitos fundamentais, incluindo alimentação precária, escassez de fraldas e roupas infantis, ausência de acompanhamento médico adequado, falta de condições para o aleitamento, revista vexatória em mães e bebês e a negação do direito de acompanhante no parto.
A DPESP requere à corregedoria que adote providências imediatas para sanar as irregularidades. Assinam a denúncia os núcleos especializados de Situação Carcerária (Nesc), Infância e Juventude (Neij) e de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem).
Os principais problemas identificados são:
- Alimentação inadequada: mães em período de amamentação relataram receber carne estragada, alimentação de baixa qualidade e ausência de ceia, gerando episódios de fome à noite.
- Falta de itens essenciais: o fornecimento de apenas 30 fraldas por semana por bebê é insuficiente, agravado pela baixa qualidade dos produtos e retenção de roupas infantis doadas.
- Falta de atendimento médico: a maioria dos bebês com mais de um mês de vida teve apenas uma ou duas consultas desde o nascimento, devido à indisponibilidade de escolta.
- Revistas degradantes: mães relataram serem obrigadas a ficar nuas e agachar-se em salas sujas, além de revistas invasivas em seus filhos, como a inserção de mãos dentro das fraldas.
- Violação de direitos no parto: gestantes relataram ter sido privadas do direito de acompanhante durante o parto e, em alguns casos, até mesmo de notícias sobre a saúde dos recém-nascidos internados.
Os núcleos pedem à Corregedoria dos Presídios que garanta o respeito aos direitos fundamentais das mulheres privadas de liberdade e assegure condições dignas para seus filhos, “por meio de fiscalização sanitária, reavaliação dos protocolos de revista, cumprimento de normas nutricionais e assistência adequada à saúde materno-infantil”.
Também é solicitado que o direito ao acompanhante no parto, garantido por diversas normas nacionais e internacionais, seja efetivamente respeitado.
Alimentação inadequada
De acordo com o relatório da Defensoria Pública, no dia da visita à ala materno-infantil da Penitenciária Feminina de Santana, não havia gestantes custodiadas, apenas puérperas. Foi apontado que, apesar de terem direito a uma alimentação especial em razão do aleitamento e do estado puerperal, as custodiadas relataram receber, com frequência, refeições compostas por salsicha e fígado com tonalidade esverdeada, além de carne de má qualidade e sem reforço nutricional.
O documento indica que essas condições alimentares podem estar relacionadas ao quadro de diarreia persistente apresentado por vários bebês. Também foi registrado que o jantar é servido entre 16h e 17h, consistindo, em geral, de um pão ou mingau.
Todas as mulheres ouvidas relataram sentir fome durante a noite, tendo à disposição apenas um pão seco e água. A defensoria ainda constatou que não é fornecida ceia. Também foi documentada a recorrente ausência de leite, alimento recomendado para mulheres em fase de amamentação.
Além disso, o relatório destaca que, devido à restrição de café durante o aleitamento materno, as mães acabam consumindo apenas água no período da manhã, especialmente nos dias em que não há leite disponível.
Falta de fraldas
A escassez de fraldas foi um dos problemas apontados durante a visita. Segundo a defensoria, atualmente são disponibilizadas 30 unidades por semana para cada bebê, número considerado insuficiente, já que um recém-nascido pode utilizar entre 7 e 10 fraldas por dia. Em alguns casos, a reposição chega a demorar até oito dias.
O documento destaca a má qualidade do material como causador de vazamentos frequentes e assaduras nos bebês. Além disso, muitas vezes, as fraldas entregues não correspondem ao tamanho adequado para o peso da criança, o que agrava o desconforto e aumenta o risco de lesões na pele.
Ainda, em diversos casos, foi observado que bebês apresentavam quadros de diarreia por períodos prolongados, como 15 dias, o que exige uma frequência maior de trocas.
Atendimento médico
Foram documentados bebês que estavam com as consultas médicas de rotina em atraso. Na denúncia, afirma-se que no período até um ano de idade, é recomendada, pelo menos, uma consulta ao mês.
De acordo com o relatório, a maioria dos bebês com mais de dois meses de vida tinham tido apenas uma ou duas consultas. Como justificativa, a defensora pública afirma que a penitenciária alega falta de escoltas.
Revistas “vexatórias”
A defensoria alega que as mulheres detidas são obrigadas a passar por uma revista “vexatória” ao saírem da penitenciária. “Precisam agachar, virar a cabeça e tossir, sem roupa, no chão de um quarto sujo”, descreve o documento. Também foi informado que, mesmo em período gestacional ou de aleitamento, custodiadas são sujeitas a passar por um escâner corporal, procedimento que vai de encontro a recomendações médicas.
A escolta também realizaria a revista nos bebês. Em situações de saída para consultas, o bebê é colocado no chão, tem as roupas afastadas ou retiradas, e os agentes inserem a mão dentro da fralda para inspeção.
“Esses dois procedimentos, além de degradantes, atrapalham a rotina de saída, com relato de perda de consultas agendadas dos bebês pela demora”, afirma o documento.
Acompanhante no parto
Em um item feito com apoio do núcleo especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (Nudem), o relatório cita que a penitenciária informou à defensoria que nenhuma das mães teve direito à acompanhante de parto.
Foi relatado um caso em que a tia de uma custodiada tentou acompanhá-la no hospital no dia do parto, mas teve sua entrada impedida sob a justificativa de que a acompanhante seria a agente de segurança. Em outra situação, uma mãe também foi impedida de entrar no hospital e de entregar as roupas escolhidas para o bebê.
A custodiada que teria a tia como acompanhante teve o filho internado por 13 dias. Após o parto, ela foi transferida para uma cela comum e não recebeu informações sobre o estado da criança. O contato com o bebê só ocorreu dias depois, quando a tia — advogada — conseguiu ser habilitada como acompanhante legal da criança, após diversas tentativas.
“A falta de contato com a criança e a ausência de informações configuram extrema violência no puerpério, gerando prejuízos à criança, pelo impacto na produção de leite e afins”, conclui o relatório.
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O que diz a SAP
Em nota ao Metrópoles, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que a Penitenciária Feminina Sant’Ana recebeu o ofício elaborado pela Defensoria Pública do Estado e responderá no prazo estabelecido. “A unidade está à disposição do órgão para detalhar o trabalho realizado na penitenciária, essencialmente às gestantes e puérperas”, diz a pasta.
Sobre a alimentação denunciada como inadequada, a SAP alega que as refeições seguem um cardápio padrão elaborado por nutricionistas da Polícia Penal da SAP, adaptado às necessidades específicas de gestantes, puérperas e lactantes. “A comida é preparada pelas próprias reeducandas e é servida ceia após o jantar”, consta na nota.
“Sobre a carne, há refrigeração industrial na unidade para acondicionar o alimento e, após o preparo, há coleta de amostra das refeições servidas às custodiadas, para controle.”
Já no que concerne à distribuição de fraldas, a SAP informou que 35 fraldas são entregues para cada mãe por semana — e não 30, como alega a Defensoria Pública –, bem como sabonete infantil, shampoo, lenços umedecidos, sabão para lavar roupas e mamadeiras para leite e água. “Havendo necessidade, as unidades podem ofertar uma quantidade adicional. Os bebês recebem calças, camisetas, vestidos, meias, blusas, toucas, cobertores, mantas, lençóis, fronhas, pano, travesseiros e luvas.”
A secretaria também afirma que, para atender as mães e seus bebês, a unidade conta com quatro médicos, além de serviços de saúde em hospitais de referência do SUS. Também são realizadas consultas médicas incluindo pediatria, pré-natal e exames como testes do pezinho e orelhinha.
De acordo com dados disponibilizados ao Metrópoles, 387 atendimentos médicos foram realizado nos últimos 16 meses — o que dá uma conta aproximada de 24 atendimentos por mês. A SAP não esclarece quantas mães ou bebês foram atendidos no período em relação ao número total de grávidas, puérperas e bebês custodiados.
“Importante informar que não há revista em fraldas usadas pelos bebês, uma vez que a Secretaria da Administração Penitenciária conta com escâneres corporais em suas unidades, aparelhos de raio-x e detectores de metal. Os equipamentos são manuseados por policiais femininas. Os policiais penais recebem orientações contínuas para o trato com as mães, garantindo que sejam preservadas as ações e preceitos éticos”, destaca a secretaria.