São Paulo — A diferença na dinâmica da Câmara Municipal de São Paulo com a saída do ex-presidente Milton Leite (União) e o início de mandato de Ricardo Teixeira (União) à frente da Casa é notada quase que de forma unânime: vereadores da base, oposição e membros da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) descrevem um cenário de “transição de estilos”.
Em quase quatro meses de legislatura, parlamentares relatam episódios de tensão, impasses e pressão do governo sobre o trabalho na Câmara. Vereadores também apontam “falta de firmeza” de Teixeira em tomar decisões e ausência de diálogo por parte de Nunes. A oposição acusa a ala governista de quebras de acordo.
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Nos bastidores, é comum a brincadeira de que Milton Leite exercia até o ano passado, além da presidência da Câmara, as funções informais de líder do governo e secretário da Casa Civil, controlando de forma mais autoritária o ritmo de votações e os projetos que seriam aprovados, garantindo governabilidade ao prefeito.
Embora aliado de Nunes e em sintonia com a agenda do emedebista, Leite também tinha o respeito de vereadores da oposição, com poder de articulação e frequentemente intercedendo na prefeitura para garantir a liberação de emendas parlamentares.
Já Ricardo Teixeira, de perfil mais conciliador, tem adotado postura de dar mais protagonismo aos vereadores, indicando que quer ouvi-los antes de qualquer decisão. Neste início de ano, ele tem pautado projetos de parlamentares pendentes de votação e “abriu” a reunião de colégio de líderes para que todos possam falar.
Se por um lado o novo modelo é elogiado em alguns momentos, em outros vereadores reclamam que Teixeira tem deixado de tomar decisões que cabem à cadeira que ocupa. “Ele não quer vestir o uniforme de presidente”, disse um parlamentar que pediu anonimato.
Um dos exemplos mais recentes de falta de definição é a indicação da Câmara para seu representante no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), que cabe ao presidente. Ao menos quatro vereadores pleiteiam a vaga, atualmente ocupada por Rodrigo Goulart (PSD), vereador reeleito, mas que foi nomeado secretário do Desenvolvimento Econômico de Nunes.
Em jogo casado com o Executivo, Teixeira tem indicado que Goulart pode permanecer como o representante da Câmara no conselho, se apegando a um parecer jurídico da Casa, o que desagradou os postulantes à cadeira no órgão que analise os processos de tombamento da cidade.
Impasse nas CPIs
- O atual momento da Câmara também é marcado por um impasse sobre a criação das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs).
- Depois da aprovação em plenário de duas CPIs com maior potencial de dano ao governo — uma para investigar as enchentes no Jardim Pantanal e outra para apurar fraudes na venda de habitações de interesse social —, a gestão Nunes pressionou a base para que os membros dos colegiados não fossem indicados, derrubando as CPIs por caducidade.
- A oposição foi à Justiça para que Teixeira seja obrigado a formar as comissões “por ofício”. Uma liminar judicial acabou estendendo para o dia 30 o prazo limite para a instalação das comissões.
- Na semana seguinte, outras duas CPIs consideradas mais brandas para o governo foram aprovadas: uma para investigar a realização dos “pancadões” na cidade e outra para apurar o escaneamento da íris do olho de cidadãos por parte de empresas. A oposição passou a chamar a manobra de “golpe” e quebra de acordo.
Quebras de acordo
Vereadores do PT e da PSol também afirmam que o líder do governo, Fábio Riva (MDB), e Ricardo Teixeira quebraram acordo no dia da votação do projeto que alterou o nome da Guarda Civil Metropolitana (GCM) para Polícia Municipal, tido como o primeiro grande teste da base no ano.
Em sessão tensa, a oposição e vereadores “independentes” toparam votar a medida, em troca de votarem também o fim do plenário híbrido, que permite a votação de projetos por videochamada, e a implementação das emendas impositivas, mas só o primeiro acabou avançando, após pressão dos parlamentares.
Base frágil e pressão do Executivo
Diferente da legislatura anterior, o prefeito Ricardo Nunes não tem uma base consolidada forte na Câmara. A oposição conta com cerca de 20 das 55 cadeiras, mas partidos da base têm na suas bancadas vereadores que se dizem independentes. Alguns dos mais destacados são Rubinho Nunes (União), Lucas Pavanato (PL) e Janaína Paschoal (PP).
Isso tem feito com que o Executivo aposte no “corpo a corpo”, cobrando lealdade de forma individual aos parlamentares da base. Nunes também deu poder de indicação em subprefeituras para alguns dos “independentes”, como Amanda Vettorazzo (Uniã0) e Zoe Martinez (PL), como forma de trazê-los para o governo.
Em alguns casos, a ofensiva parte do próprio prefeito. São inúmeros os relatos de pressão de Nunes sobre vereadores da base, como na votação da GCM e no episódio das emendas impositivas. Neste último caso, o prefeito cobrou, em reunião tensa com líderes da base, que a Câmara não desse continuidade ao projeto, que acabou sendo enterrado mesmo com declarações de apoio de Teixeira.
Diante do cenário instável, o líder do governo tem tido dificuldade em conduzir as negociações e sua saída do cargo já começa a ser especulada entre os pares. Questionado, o prefeito Ricardo Nunes negou qualquer possibilidade de troca na liderança.