São Paulo — O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) absolveu a vendedora Juliana Arcanjo Ferreira, de 33 anos, acusada de lesão corporal contra a filha, após levar a menina, que tinha 10 anos na época dos fatos, a uma cerimônia de iniciação no candomblé em Campinas, no interior de São Paulo.
Juliana já havia sido inocentada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), mas o Ministério Público do estado (MPSP) recorreu pedindo a realização de avaliações social e psicológica e escuta especializada. A sexta turma do STJ negou o recurso por unanimidade.
Entenda o caso
- Em janeiro de 2021, a vendedora levou a filha a uma cerimônia de iniciação no candomblé, em Campinas.
- De acordo com a denúncia do MPSP, a menina teria sofrido cortes provocados por gilete ou navalha, “causando-lhe lesões corporais de natureza leve”.
- As lesões foram constatadas em exame de corpo de delito realizado no Instituto Médico Legal (IML), sob responsabilidade do pai da criança, que denunciou a mãe da menina ao Conselho Tutelar.
- “O pai dela, não muito contente com a feitura dela, foi ao Conselho Tutelar e me denunciou por violência doméstica por causa das curas do candomblé e cárcere privado por causa do recolhimento”, disse a mulher.
- As curas se referem ao ritual de escarificação, em que pequenas incisões são feitas na pele com o objetivo religioso de proteger a pessoa.
- O MPSP a acusou de lesão corporal decorrente de violência doméstica, com base na Lei Maria da Penha.
Leia também
-
Fábia Oliveira
Ivete sobre candomblé no axé: “Todo mundo sabe, mas se faz de maluco”
-
Brasil
Terreiro de candomblé na Bahia se torna patrimônio cultural brasileiro
-
Celebridades
Repórter sofre intolerância religiosa após postar vídeo na umbanda
-
Brasil
“Coisa do diabo”: mulher é presa por intolerância religiosa na Bahia
Absolvição
Na absolvição pelo TJSP, o juiz Bruno Paiva Garcia afirmou que “a tipificação dessa conduta como crime de lesão corporal revela inaceitável intolerância religiosa, basta ver que (felizmente) jamais se cogitou criminalizar a circuncisão religiosa, que é comum entre judeus e muçulmanos”.
“A escarificação religiosa, assim como a circuncisão, ainda que formalmente típica, está em consonância com valores constitucionais e jamais pode ser considerada uma conduta criminosa”, acrescentou o magistrado.
O MPSP, então, recorreu solicitando a realização de exames técnicos na menina e que ela prestasse um depoimento especial. O recurso foi negado por unanimidade pela sexta turma do STJ.
Mãe perdeu guarda da filha
A denúncia feita pelo pai da criança após a cerimônia no candomblé também gerou um processo cível, que fez com que a mãe perdesse a guarda da menina. Ela ficou pelo menos três anos sem poder ver a filha. “Eles não me concederam nenhuma visita assistida. Nada”, disse.
Para Anivaldo dos Anjos, advogado de Juliana e membro fundador do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro), o juiz da Vara da Família não acompanhou o entendimento do magistrado criminal.
“O juiz [cível] manteve o afastamento da mãe, da mãe que não cometeu o crime, e não observou que o juiz criminal foi muito preciso quando falou exatamente isso: onde foi a maior violência? Em termos de expor a menina no Instituto Médico Legal para fazer exames de corpo de delito, e a gente sabe como são feitos esses exames, e expor a menina numa delegacia de polícia”, disse.