Cinquenta anos depois do 25 de Abril e da fundação da democracia, a direita, no seu conjunto, obtém a maior vitória de toda a sua história. Quase dois terços da população escolhe os partidos da direita. E o partido da direita mais radical, o Chega, principal vencedor destas eleições, atinge um número de eleitores próximo de um quarto da população.
A direita democrática, na identidade da AD, vence as eleições, mas perde o combate político. É uma das suas mais curtas vitórias. Não consegue maioria para governar. Vai ter de escolher entre vários males: o governo minoritário, a instabilidade parlamentar e a aliança com o Chega. Não se espera nada de bom destas hipóteses. Pelo contrário: esta vitória eleitoral do PSD, nos seus termos quantitativos e políticos, é a sua condenação. Incapaz de propor uma coligação ou de fazer um bloco central, o PSD vai lutar contra o seu destino.
Surpreende o elevado número de votos que o Chega ainda conseguiu captar, apesar da sua vacuidade política, mau grado a mediocridade das suas políticas e não obstante a inexistência de uma equipa conhecida e competente. Como surpreende a vitória do PSD, sem que as trapalhadas fiscais do primeiro-ministro tenham tido qualquer influência na decisão do eleitorado.
Cinquenta anos depois do 25 de Abril e das primeiras eleições democráticas, as esquerdas averbam a maior derrota da sua história. Vale a pena pensar nisso. Valeria a pena a esquerda rever toda a sua vida, desde a organização aos métodos de trabalho, passando pelo programa, pela atitude, a filosofia, a estratégia e os seus valores, se quer ressuscitar e se quer voltar a contribuir para a democracia portuguesa e para o progresso social, económico e cultural.
Nesta derrota das esquerdas, importa notar o desaparecimento do Partido Comunista Português (PCP) de quase todo o país, mas especialmente varrido de todos os distritos do Alentejo onde não elegeu um único deputado. PCP e Bloco vivem numa galáxia exterior, a fazerem pensar naqueles grupos de soldados japoneses que, vinte ou trinta anos depois de terminada a guerra, ainda vagueavam pelas florestas de armas nas mãos, a defenderem-se ou à procura do inimigo. De sublinhar ainda a derrota do Partido Socialista (PS), que alcança um dos seus piores resultados de todos os tempos, após mais de 25 anos de governo nos últimos trinta. As esquerdas ficaram sem cabeça, sem ideia, sem programa e sem esperança.
No imediato, indiferentes aos problemas nacionais e às questões do mundo, os políticos eleitos vão entregar-se a umas semanas de delícias adjetivas, de prazos de contagem de votos, de formação do governo, de nomeações e de compadrio, de programas de governo que não são votados e de moções de censura para ameaçar e disfarçar.
O país está dividido como nunca. Entre esquerda e direita. Entre direita democrática e direita radical. É provável que o Parlamento, agora eleito, fique ainda mais malcriado, com debates ainda mais grosseiros, com querelas pessoais ainda mais ridículas. Os dirigentes políticos mal se falam. Ácidos e zangados, não conseguem sequer discutir civilizadamente e negociar democraticamente. Toda a campanha eleitoral confirmou uma verdade já conhecida: a promoção dos dirigentes partidários condena os partidos como instituições. Por isso as querelas pessoais nunca chegam a ser debates políticos e partidários. As eleições democráticas, sempre justas, têm destas coisas: são escolhas, mas nem sempre são soluções.
(Transcrito do PÚBLICO)