São Paulo — Vídeos obtidos com exclusividade pelo Metrópoles mostram comerciantes do Brás, na região central de São Paulo, sendo torturados pela milícia que atua no local pelo menos desde 2014. Os registros vão de 2019 a 2022, mas ainda não haviam sido divulgados.
Os conteúdos foram compartilhados via WhatsApp pelas lideranças do grupo criminoso que pratica extorsões e ameaças contra os lojistas, e acessados pela Polícia Civil durante investigação, que resultou na prisão da cúpula do esquema.
As cenas são fortes, e mostram diferentes episódios de tortura. Veja:
Episódios de tortura
O primeiro vídeo mostra dois homens amarrados em um container, no dia 21 de junho de 2019. As vítimas foram sequestradas sob a alegação de que teriam dado um golpe de R$ 800 mil em um doleiro, amigo de Manoel Simião Sabino Neto, uma das lideranças do esquema criminoso.
Milícia no Brás
- De acordo com depoimentos de vítimas e testemunhas, obtidos pelo Metrópoles, os comerciantes da Feira da Madrugada são extorquidos por criminosos que cobram, semanalmente, uma “taxa de segurança”, que varia entre R$ 50 a R$ 300, dependendo da área e do grupo controlador.
- Os criminosos cobram ainda valores por aluguel do m² nas calçadas e também por box, dentro dos centros comerciais, além de uma taxa de fornecimento de energia elétrica, que é desviada de postes de iluminação da Enel.
- Durante as cobranças, os milicianos, muitas vezes, ameaçaram e agrediram os comerciantes, afirmando serem integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC) e também policiais, portando arma de fogo para intimidar as vítimas. Mais tarde, as investigações confirmaram a participação de agentes públicos no esquema.
- As vítimas também relataram ter mercadorias destruídas, além de terem sido retiradas à força da área de comércio, após atrasar ou não conseguir pagar os valores exigidos pelos criminosos.
- Em 27 de abril, uma das testemunhas protegidas foi morta a tiros na frente de casa, quando saia para ir à Feira da Madrugada. O caso foi registrado como homicídio pelo 24º Distrito Policial (Ponte Rasa), e encaminhado ao Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), onde segue em investigação.
Sabino enviou o vídeo à esposa, Francielly Gonzalles Agustaits, também envolvida no esquema. Na troca de mensagens, o homem afirmou que um chinês estaria levando o dinheiro em espécie. Caso o grupo não recebesse em 30 minutos o dinheiro do resgate, mudariam de cativeiro, levando-os para um sítio, possivelmente para matá-los, apontou a Polícia Civil.
O segundo vídeo mostra um homem sendo brutalmente agredido em 27 de setembro de 2019. A investigação não esclareceu a motivação para a tortura, mas detalhou que as agressões ocorreram no interior da Feira da Madrugada, em frente aos boxes.
Um dos torturadores chegou a enviar um vídeo para Sabino dizendo: “Chefe, é para fazer o que com ele aqui? Solta? Mata? Joga no rio? O que você quer que faça com ele aqui? O que você quer que faça com ele aqui?”.
O terceiro vídeo mostra um rapaz, suspeito de furtar uma residência, sendo coagido a confessar o suposto crime por meio de tortura, em 6 de outubro de 2019. De acordo com o relatório policial, o agressor constrangeu a vítima, “causando-lhe intenso sofrimento físico e mental”.
Em um dos vídeos das agressões ao rapaz, interceptados pela polícia, Sabino diz: “Nem que você assuma que você roubou, não tendo roubado, mas você vai. Pode ter certeza que você vai. Vai começar a sessão [de] tortura!”.
O último vídeo, gravado na madrugada de 4 de maio de 2022, mostra um comerciante sendo espancado na Rua Tiers, na Feira da Madrugada, por homens vestindo o uniforme da Coopsbrás. A associação é uma das acusadas de atuar como fachada para movimentar as quantias volumosas de dinheiro envolvidas no esquema criminoso. A vítima, um vendedor ambulante, foi espancado pois não teria pago o valor exigido pela milícia.